27 abril 2011

“O que interessa é carne no prato e farinha na cuia”, de José Nêumanne

Por José Nêumanne via Augusto Nunes

TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA TERÇA-FEIRA



José Nêumanne


O ovo de Colombo do marketing político mundial foi posto de pé pelo americano James Carville. Responsável pela campanha de Bill Clinton à presidência dos Estados Unidos, ele fez o candidato movimentar os lábios sem pronunciar a frase que atravessaria o planeta como um mantra: “É a economia, estúpido!” No caso de nações ricas, como a dele, a leitura labial da palavra economia lembra pleno emprego, tecnologia de ponta, alta produtividade, etc. Mas no de países emergentes, como o nosso, poucos desses fatores têm a importância de um só – a inflação. A perda do valor de compra da moeda, que significa menos proteína (e, com o passar do tempo, menos comida em geral) na mesa do trabalhador, e o retardamento da girândola faz-vende-compra que Fernando Henrique pôs para rodar e seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, usou com sabedoria para evitar que o tsunami da crise imobiliária americana chegasse a nossas praias tropicais, tornando-o “marolas”, devem ser evitados a todo custo.

O ex-presidente tucano promoveu a maior revolução social de nossa História recente com a solução genial do Plano Real para acabar com a deterioração do salário do operário. Ao envergar a faixa que era do antigo aliado transformado em adversário preferencial, o petista mostrou ter aprendido a lição ao traduzir para o “popularês” as fórmulas sofisticadas dos economistas que elaboraram a receita mágica da preservação do valor do dinheiro em seus inacessíveis idioletos acadêmicos. O sucesso da economia no mandarinato petê-lulista muito se deveu à profusão de fatores positivos nos oito anos de sua duração, dos quais se costumam destacar a conjuntura internacional muito favorável e o magnífico desempenho da agroindústria nacional. Nada disso, contudo, produziria o efeito espetacular que se traduziu em crescimento acima do esperado e prestígio político inusitado para o chefe do governo se este não tivesse dado demonstrações firmes e perseverantes de sensatez ao não deixar a herança do antecessor se dissolver na balela desenvolvimentista de muitos de seus interlocutores. Como Fernando Henrique manteve Pedro Malan, Lula nunca permitiu que fosse perturbada a rigidez dos preceitos liberais clássicos que conduziram sua política econômica sob a batuta de Henrique Meirelles.

Muita gente boa (inclusive o autor destas linhas) tem manifestado encantado júbilo com as diferenças de estilo entre a presidente Dilma Rousseff e o patrono que a inventou, lançou e elegeu. Como Lula falava pelos cotovelos, a boca fechada de Dilma faz soar uma melodia que nem sequer João Gilberto seria capaz de entoar melhor. O primado dos direitos humanos na política externa e a postura serena e digna no convívio com visitantes estrangeiros e visitados no exterior também a têm favorecido nessa comparação. Mas é provável que Dilma Rousseff – logo ela, a “gerentona” impecável, a cobradora implacável – desafine justamente na nota só do samba que sustenta a escala da economia. É isso mesmo: a inflação. Guido Mantega, um zero à esquerda no governo anterior, parece, de repente, ter sido deslocado para a direita; Alexandre Tombini dista anos-luz de seu antigo chefe; e o desfile parece descambar na desarmonia total.

O Tyrannosaurus rex da inflação dá sinais de que pode estar despertando do sono letárgico produzido pelas doses de realismo monetário injetadas entre suas escamas por Malan e Meirelles. Há uma certa tendência no Ministério da Fazenda e até mesmo no novo Banco Central a desdenhar do risco do despertar do monstro, com aquela conversinha para boi dormir da inflação importada, produzida apenas pelos fatores sazonais das safras agrícolas com consequências na produção de alimentos. Por mais que o boi durma, o dinossauro inflacionário zomba desse tipo de soporífero e já afia suas garras. O diagnóstico da autoridade monetária é parcial, como insiste em mostrar a coleguinha Miriam Leitão. “A economia vai bem, a inflação assusta e a política monetária parece ter produzido pouco resultado até agora”, resumiu magistralmente o companheiro Rolf Kuntz.

De Lula podia-se dizer que não fazia, só falava. Isso não significa necessariamente que, só por não falar, Dilma faça. Nunca antes na História deste país houve um político profissional que falasse tanto, embora não fizesse na mesma proporção, como o ex-dirigente sindical metalúrgico. Parte considerável de seu êxito eleitoral nas três últimas eleições federais, duas vitórias dele e uma de sua candidata tirada do nada, deveu-se à sua capacidade de se comunicar com o brasileiro do roçado, da favela, da cozinha e do quarto de empregada.

Mas de nada lhe teria esse talento notório valido se não fosse o bom senso de não transigir quando se tratou de manter a política econômica de pé sobre os pilares dos templos do satanizado neoliberalismo. Ele falava de futebol, bajulava o amigo persa Mahmoud Ahmadinejad, não dava ouvidos a quem ridicularizava suas tiradas autoindulgentes e desdenhava de quaisquer críticas, catalogadas em seus arquivos particulares como intrigas da oposição. E se garantiu no topo da popularidade enxotando a golpes de pragmatismo o corvo inflacionário. Mas trouxe-o de volta anabolizando gastos públicos para eleger Dilma Rousseff.

Esta começou a semana dizendo: “Todas as nossas atenções estarão voltadas para o combate acirrado à inflação”. Mas de prático nada faz para impedir que riscos de corrosão do valor da moeda rondem os lares pobres. De acordo com a pesquisa do boletim Focus, divulgada pelo Banco Central, a expectativa para a inflação oficial continua distante de 4,5%, o centro da meta, flutuando de 6,29% para 6,34%.

Já é mais do que hora de ela passar de boas intenções à ação oficial, adotando medidas que ponham de novo o monstro para dormir. Agirá muito melhor se se preocupar menos com a Copa de 2014 e mais com a inflação: mais valem carne no prato e farinha na cuia do que bola na rede.


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25 abril 2011

MORAL DA HISTÓRIA


ASNO
No Curso de Medicina, o professor se dirige ao aluno e pergunta:
- Quantos rins nós temos?
- Quatro! Responde o aluno.
- Quatro? Replica o professor, arrogante, daqueles que sentem prazer em tripudiar sobre os erros dos alunos.
- Tragam um feixe de capim, pois temos um asno na sala. Ordena o professor a seu auxiliar.
- E para mim um cafezinho! Replicou o aluno ao auxiliar do mestre.
O professor ficou irado e expulsou o aluno da sala. O aluno era Aparício Torelly Aporelly (1895-1971), o 'Barão de Itararé'. Ao sair da sala, o aluno ainda teve a audácia de corrigir o furioso mestre:
- O senhor me perguntou quantos rins 'NÓS TEMOS'. 'NÓS' temos quatro: dois meus e dois seus. 'NÓS' é uma expressão usada para o plural.Tenha um bom apetite e delicie-se com o capim.
Moral da História:
A VIDA EXIGE MUITO MAIS COMPREENSÃO DO QUE CONHECIMENTO.


A ROUPA FAZ A DIFERENÇA?
Sem maiores preocupações com o vestir, o médico conversava descontraído com o enfermeiro e o motorista da ambulância, quando uma senhora elegante chega e de forma ríspida, pergunta:
- Vocês sabem onde está o médico do hospital?
Com tranqüilidade o médico respondeu:
- Boa tarde, senhora! Em que posso ser útil?
Ríspida, retorquiu:
- Será que o senhor é surdo? Não ouviu que estou procurando pelo médico?
Mantendo-se calmo, contestou:
- Boa tarde, senhora! O médico sou eu, em que posso ajudá-la ?!?!
- Como?!?! O senhor?!?! Com essa roupa?!?!...
- Ah, Senhora! Desculpe-me! Pensei que a senhora estivesse procurando um médico e não uma vestimenta....
- Oh! Desculpe doutor! Boa tarde! É que... Vestido assim, o senhor nem parece um médico...
- Veja bem as coisas como são...- disse o médico -... as vestes parecem não dizer muitas coisas, pois quando a vi chegando, tão bem vestida, tão elegante, pensei que a senhora fosse sorrir educadamente para todos e depois daria um simpaticíssimo "boa tarde!"; como se vê, as roupas nem sempre dizem muito...
Moral da História:
UM DOS MAIS BELOS TRAJES DA ALMA É A EDUCAÇÃO.

BOA RESPOSTA
Um mecânico está desmontando o cabeçote de uma moto, quando ele vê na oficina um cirurgião cardiologista muito conhecido. Ele está olhando o mecânico trabalhar. Então o mecânico pára e pergunta:
- 'Ei, doutor, posso lhe fazer uma pergunta?'
O cirurgião, um tanto surpreso, concorda e vai até a moto na qual o mecânico está trabalhando. O mecânico se levanta e começa:
- “Doutor, olhe este motor. Eu abro seu coração, tiro válvulas, conserto-as, ponho-as de volta e fecho novamente, e, quando eu termino, ele volta a trabalhar como se fosse novo. Como é então, que eu ganho tão pouco e o senhor tanto, quando nosso trabalho é praticamente o mesmo?”
Então o cirurgião dá um sorriso, se inclina e fala bem baixinho para o mecânico:
- 'Você já tentou fazer como eu faço, com o motor funcionando?'
Moral da História:
“QUANDO A GENTE PENSA QUE SABE TODAS AS RESPOSTAS, VEM A VIDA E MUDA TODAS AS PERGUNTAS.”

MUITA CALMA!
Entra um senhor desesperado na farmácia e grita:
- Rápido, me dê algo para a diarréia! Urgente!
O dono da farmácia, que era novo no negócio, fica muito nervoso e lhe dá o remédio errado: um remédio para nervos. O senhor, com muita pressa, pega o remédio e vai embora.
Horas depois, chega novamente o senhor que estava com diarréia e o farmacêutico lhe diz:
- Mil desculpas senhor. Creio que por engano lhe dei um medicamento para os nervos, ao invés de algum remédio para diarréia. Como o senhor está se sentindo?
O senhor responde:
- Cagado... mas tô tranquilo.
Moral da História:
"POR MAIS DESESPERADORA QUE SEJA A SITUAÇÃO, SE ESTIVER CALMO, AS COISAS SERÃO VISTAS DE OUTRA MANEIRA".

PROBLEMA É SÉRIO
O sujeito vai ao psiquiatra
- Doutor - diz ele - estou com um problema: Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo. Aí eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém em cima. Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima. Estou ficando maluco!
- Deixe-me tratar de você durante dois anos, diz o psiquiatra. Venha três vezes por semana, e eu curo este problema.
- E quanto o senhor cobra? - pergunta o paciente.
- R$ 120,00 por sessão - responde o psiquiatra.
- Bem, eu vou pensar - conclui o sujeito.
Passados seis meses, eles se encontram na rua.
- Por que você não me procurou mais? - Pergunta o psiquiatra.
- A 120 paus a consulta, três vezes por semana, durante dois anos, ia ficar caro demais, aí um sujeito num bar me curou por 10 reais.
- Ah é? Como? Pergunta o psiquiatra.
O sujeito responde:
- Por R$ 10 ,00 ele cortou os pés da cama...
Moral da História:
MUITAS VEZES O PROBLEMA É SÉRIO, MAS A SOLUÇÃO PODE SER MUITO SIMPLES!
HÁ UMA GRANDE DIFERENÇA ENTRE FOCO NO PROBLEMA E FOCO NA SOLUÇÃO.

24 abril 2011

Mensagem pascal do Santo Padre Benedito XVI e bênção "urbi et orbi"

«In resurrectione tua, Christe, coeli et terra laetentur – Na vossa Ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra» (Liturgia das Horas).
Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro!
A manhã de Páscoa trouxe-nos etse anúncio antigo e sempre novo: Cristo ressuscitou! O eco deste acontecimento, que partiu de Jerusalém há vinte séculos, continua a ressoar na Igreja, que traz viva no coração a fé vibrante de Maria, a Mãe de Jesus, a fé de Madalena e das primeiras mulheres que viram o sepulcro vazio, a fé de Pedro e dos outros Apóstolos.
Até hoje – mesmo na nossa era de comunicações supertecnológicas – a fé dos cristãos assenta naquele anúncio, no testemunho daquelas irmãs e daqueles irmãos que viram, primeiro, a pedra removida e o túmulo vazio e, depois, os misteriosos mensageiros que atestavam que Jesus, o Crucificado, ressuscitara; em seguida, o Mestre e Senhor em pessoa, vivo e palpável, apareceu a Maria de Magdala, aos dois discípulos de Emaús e, finalmente, aos onze, reunidos no Cenáculo (cf. Mc 16, 9-14).
A ressurreição de Cristo não é fruto de uma especulação, de uma experiência mística: é um acontecimento, que ultrapassa certamente a história, mas verifica-se num momento concreto da história e deixa nela uma marca indelével. A luz, que encandeou os guardas de sentinela ao sepulcro de Jesus, atravessou o tempo e o espaço. É uma luz diferente, divina, que fendeu as trevas da morte e trouxe ao mundo o esplendor de Deus, o esplendor da Verdade e do Bem.
Tal como os raios do sol, na primavera, fazem brotar e desabrochar os rebentos nos ramos das árvores, assim também a irradiação que dimana da Ressurreição de Cristo dá força e significado a cada esperança humana, a cada expectativa, desejo, projecto. Por isso, hoje, o universo inteiro se alegra, implicado na primavera da humanidade, que se faz intérprete do tácito hino de louvor da criação. O aleluia pascal, que ressoa na Igreja peregrina no mundo, exprime a exultação silenciosa do universo e sobretudo o anseio de cada alma humana aberta sinceramente a Deus, mais ainda, agradecida pela sua infinita bondade, beleza e verdade.
«Na vossa ressurreição, ó Cristo, alegrem-se os céus e a terra». A este convite ao louvor, que hoje se eleva do coração da Igreja, os «céus» respondem plenamente: as multidões dos anjos, dos santos e dos beatos unem-se unânimes à nossa exultação. No Céu, tudo é paz e alegria. Mas, infelizmente, não é assim sobre a terra! Aqui, neste nosso mundo, o aleluia pascal contrasta ainda com os lamentos e gritos que provêm de tantas situações dolorosas: miséria, fome, doenças, guerras, violências. E todavia foi por isto mesmo que Cristo morreu e ressuscitou! Ele morreu também por causa dos nossos pecados de hoje, e também para a redenção da nossa história de hoje Ele ressuscitou. Por isso, esta minha mensagem quer chegar a todos e, como anúncio profético, sobretudo aos povos e às comunidades que estão a sofrer uma hora de paixão, para que Cristo Ressuscitado lhes abra o caminho da liberdade, da justiça e da paz.
Possa alegrar-se aquela Terra que, primeiro, foi inundada pela luz do Ressuscitado. O fulgor de Cristo chegue também aos povos do Médio Oriente para que a luz da paz e da dignidade humana vença as trevas da divisão, do ódio e das violências. Na Líbia, que as armas cedam o lugar à diplomacia e ao diálogo e se favoreça, na situação actual de conflito, o acesso das ajudas humanitárias a quantos sofrem as consequências da luta. Nos países da África do Norte e do Médio Oriente, que todos os cidadãos – e de modo particular os jovens – se esforcem por promover o bem comum e construir um sociedade, onde a pobreza seja vencida e cada decisão política seja inspirada pelo respeito da pessoa humana. A tantos prófugos e aos refugiados, que provêm de diversos países africanos e se vêem forçados a deixar os afectos dos seus entes mais queridos, chegue a solidariedade de todos; os homens de boa vontade sintam-se inspirados a abrir o coração ao acolhimento, para se torne possível, de maneira solidária e concorde, acudir às necessidades prementes de tantos irmãos; a quantos se prodigalizam com generosos esforços e dão exemplares testemunhos nesta linha chegue o nosso conforto e apreço.
Possa recompor-se a convivência civil entre as populações da Costa do Marfim, onde é urgente empreender um caminho de reconciliação e perdão, para curar as feridas profundas causadas pelas recentes violências. Possa encontrar consolação e esperança a terra do Japão, enquanto enfrenta as dramáticas consequências do recente terremoto, e demais países que, nos meses passados, foram provados por calamidades naturais que semearam sofrimento e angústia.
Alegrem-se os céus e a terra pelo testemunho de quantos sofrem contrariedades ou mesmo perseguições pela sua fé no Senhor Jesus. O anúncio da sua ressurreição vitoriosa neles infunda coragem e confiança.
Queridos irmãos e irmãs! Cristo ressuscitado caminha à nossa frente para os novos céus e a nova terra (cf. Ap 21, 1), onde finalmente viveremos todos como uma única família, filhos do mesmo Pai. Ele está connosco até ao fim dos tempos. Sigamos as suas pegadas, neste mundo ferido, cantando o aleluia. No nosso coração, há alegria e sofrimento; na nossa face, sorrisos e lágrimas. A nossa realidade terrena é assim. Mas Cristo ressuscitou, está vivo e caminha connosco. Por isso, cantamos e caminhamos, fiéis ao nosso compromisso neste mundo, com o olhar voltado para o Céu.
Boa Páscoa a todos!
[00596-06.01] [Texto original: Italiano]
[B0236-XX.01]

DOMINGO DA RESSURREIÇÃO

DOMINGO DA RESSURREIÇÃO: "
A ressurreição de Jesus Cristo e a esperança do cristão.

Haec dies quam fecit Dominus: exultemus et laetemur in ea – “Este é o dia que fez o Senhor; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Sal. 117, 24).

Sumário. Façamos um ato de fé viva na ressurreição de Jesus Cristo; cheguemo-nos a Ele em espírito para Lhe beijar as chagas glorificadas, e regozijemo-nos com Ele por ter saído do sepulcro vencedor da morte e do inferno. Lembrando-nos em seguida que a ressurreição de Jesus é o penhor e a norma da nossa, avivemos nossa esperança, e ganhemos ânimo para suportar com paciência as tribulações da vida presente. Lembremo-nos, porém, que para ressuscitarmos gloriosamente com Jesus Cristo devemos primeiro morrer com Ele a todos os afetos terrestres,

I. O grande mistério que em todo o tempo pascal, e especialmente no dia de hoje, deve ocupar as almas amantes de Deus, e enchê-las de dulcíssima esperança, é a felicidade de Jesus ressuscitado. Já meditamos que Jesus, no tempo de sua Paixão, perdeu inteiramente as quatro espécies de bens que o homem pode possuir na terra. Perdeu os vestidos até a extrema nudez; perdeu a reputação pelos desprezos mais abomináveis; perdeu a florescente saúde pelos maus tratos; perdeu finalmente a vida preciosíssima pela morte mais horrível que se pode imaginar. Agora porém, saindo vivo do fundo do sepulcro, recebe com lucro abundantíssimo tudo quanto perdeu.

O que era pobre, ei-Lo feito riquíssimo e Senhor de toda a terra. O que a si próprio se chamava verme e opróbrio dos homens, ei-Lo coroado de glória, assentado à direita do Pai. O que pouco antes era o Homem das dores e provado nos sofrimentos, ei-Lo dotado de nova força e de uma vida imortal e impassível. Finalmente o que tinha sido morto do modo mais horrível, ei-Lo ressuscitado pela sua própria virtude, dotado de sutileza, de agilidade, de clareza, feito as primícias de todos os que dormem com a esperança de ressuscitarem também um dia à imitação de Cristo: Christus resurrexit a mortuis, primitiae dormientium (1)

Detenhamos-nos aqui para tributar a nosso Chefe divino as devidas homenagens. Façamos um ato de fé viva na sua ressurreição, e cheguemo-nos a ele para beijarmos em espírito os sinais de suas cinco chagas glorificadas. Alegremo-nos com ele, por ter saído do sepulcro, vencedor da morte e do inferno, e digamos com todos os santos: “O Cordeiro que foi imolado por nós, é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a fortaleza, a honra, a glória e a bênção.” (2)

II. Regozijemo-nos com Jesus Cristo; mas regozijemo-nos também por nós mesmos, porquanto a sua ressurreição é o penhor e a norma da nossa, se ao menos, como diz São Paulo, morrermos primeiro interiormente ao afeto das coisas terrestres: Si commortui sumus, et convivemus (3) – “Se morrermos com ele, com ele também viveremos”. Ó doce esperança! “Virá a hora em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus” (4); e então pelo poder divino retomaremos o mesmo corpo que agora temos, mas formoso e resplandecente como o sol. Nós também ressuscitaremos!

A esperança da futura ressurreição é o que consolava o santo Jó no tempo de sua provação. “Eu sei”, disse ele, e nós, digamos o mesmo no meio das cruzes e tribulações da vida presente: “eu sei que o meu Redentor vive, e que no derradeiro dia surgirei da terra; e serei novamente revestido de minha pele, e na minha própria carne verei a meu Deus... esta minha esperança está depositada no meu peito.” (5)

Meu amabilíssimo Jesus, graças Vos dou que pela vossa morte adquiristes para mim o direito à posse de tão grande bem, e hoje pela vossa ressurreição avivais a minha esperança. Sim, espero ressurgir no último dia, glorioso como Vós, não tanto por meu próprio interesse, como para estar para sempre unido convosco, e louvar-Vos e amar-Vos eternamente. É verdade que pelo passado Vos ofendi com os meus pecados; mas agora arrependo-me de todo o coração e pela vossa ressurreição peço-Vos que me livrais do perigo de recair na vossa desgraça: Per sanctam resurrectionem tuam, libera me, Domine – “Pela vossa santa ressurreição, livrai-me, Senhor”.

“E Vós, Eterno Pai, que no dia presente nos abristes a entrada da eternidade bem-aventurada, pelo triunfo que vosso Unigênito alcançou sobre a morte: aumentai com o Vosso auxílio os desejos que a vossa inspiração nos instila” (6). Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.

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1. 1 Cor. 15, 20.
2. Ap 5,12.
3. 2 Tim. 2, 11.
4. Io. 5, 28.
5. Iob 19, 25.
6. Or.festi curr.

(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo II: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 1 - 3.)
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23 abril 2011

HOMILIA DO PAPA BENTO XVI - VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA

The Holy See

VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA

HOMILIA DO PAPA BENTO XVI

Basílica Vaticana
Sábado Santo, 23 de Abril de 2011

Amados irmãos e irmãs,

Dois grandes sinais caracterizam a celebração litúrgica da Vigília Pascal. Temos antes de mais nada o fogo que se torna luz. A luz do círio pascal que, na procissão através da igreja encoberta na escuridão da noite, se torna uma onda de luzes, fala-nos de Cristo como verdadeira estrela da manhã eternamente sem ocaso, fala-nos do Ressuscitado em quem a luz venceu as trevas. O segundo sinal é a água. Esta recorda, por um lado, as águas do Mar Vermelho, o afundamento e a morte, o mistério da Cruz; mas, por outro, aparece-nos como água nascente, como elemento que dá vida na aridez. Torna-se assim imagem do sacramento do Baptismo, que nos faz participantes da morte e ressurreição de Jesus Cristo.

Mas não são apenas estes grandes sinais da criação, a luz e a água, que fazem parte da liturgia da Vigília Pascal; outra característica verdadeiramente essencial da Vigília é o facto de nos proporcionar um vasto encontro com a palavra da Sagrada Escritura. Antes da reforma litúrgica, havia doze leituras do Antigo Testamento e duas do Novo. As do Novo Testamento permaneceram; entretanto o número das leituras do Antigo Testamento acabou fixado em sete, que, atendendo às situações locais, se podem reduzir a três leituras. A Igreja quer, através de uma ampla visão panorâmica, conduzir-nos ao longo do caminho da história da salvação, desde a criação passando pela eleição e a libertação de Israel até aos testemunhos proféticos, pelos quais toda esta história se orienta cada vez mais claramente para Jesus Cristo. Na tradição litúrgica, todas estas leituras se chamavam profecias: mesmo quando não são directamente vaticínios de acontecimentos futuros, elas têm um carácter profético, mostram-nos o fundamento íntimo e a direcção da história; fazem com que a criação e a história se tornem transparentes no essencial. Deste modo tomam-nos pela mão e conduzem-nos para Cristo, mostram-nos a verdadeira luz.

Na Vigília Pascal, o percurso ao longo dos caminhos da Sagrada Escritura começa pelo relato da criação. Desta forma, a liturgia quer-nos dizer que também o relato da criação é uma profecia. Não se trata de uma informação sobre a realização exterior da transformação do universo e do homem. Bem cientes disto estavam os Padres da Igreja, que entenderam este relato não como narração real das origens das coisas, mas como apelo ao essencial, ao verdadeiro princípio e ao fim do nosso ser. Ora, podemo-nos interrogar: mas, na Vigília Pascal, é verdadeiramente importante falar também da criação? Não se poderia começar pelos acontecimentos em que Deus chama o homem, forma para Si um povo e cria a sua história com os homens na terra? A resposta deve ser: não! Omitir a criação significaria equivocar-se sobre a história de Deus com os homens, diminuí-la, deixar de ver a sua verdadeira ordem de grandeza. O arco da história que Deus fundou chega até às origens, até à criação. A nossa profissão de fé inicia com as palavras: «Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra». Se omitimos este início do Credo, a história global da salvação torna-se demasiado restrita, demasiado pequena. A Igreja não é uma associação qualquer que se ocupa das necessidades religiosas dos homens e cujo objectivo se limitaria precisamente ao de uma tal associação. Não, a Igreja leva o homem ao contacto com Deus e, consequentemente, com o princípio de tudo. Por isso, Deus tem a ver connosco como Criador, e por isso possuímos uma responsabilidade pela criação. A nossa responsabilidade inclui a criação, porque esta provém do Criador. Deus pode dar-nos vida e guiar a nossa vida, só porque Ele criou o todo. A vida na fé da Igreja não abrange somente o âmbito de sensações e sentimentos e porventura de obrigações morais; mas abrange o homem na sua integralidade, desde as suas origens e na perspectiva da eternidade. Só porque a criação pertence a Deus, podemos depositar n’Ele completamente a nossa confiança. E só porque Ele é Criador, é que nos pode dar a vida por toda a eternidade. A alegria e gratidão pela criação e a responsabilidade por ela andam juntas uma com a outra.

Podemos determinar ainda mais concretamente a mensagem central do relato da criação. Nas primeiras palavras do seu Evangelho, São João resumiu o significado essencial do referido relato com uma única frase: «No princípio, era o Verbo». Com efeito, o relato da criação, que ouvimos anteriormente, caracteriza-se pela frase que aparece com regularidade: «Disse Deus…». O mundo é uma produção da Palavra, do Logos, como se exprime João com um termo central da língua grega. «Logos» significa «razão», «sentido», «palavra». Não é apenas razão, mas Razão criadora que fala e comunica a Si mesma. Trata-se de Razão que é sentido, e que cria, Ela mesma, sentido. Por isso, o relato da criação diz-nos que o mundo é uma produção da Razão criadora. E deste modo diz-nos que, na origem de todas as coisas, não está o que é sem razão, sem liberdade; pelo contrário, o princípio de todas as coisas é a Razão criadora, é o amor, é a liberdade. Encontramo-nos aqui perante a alternativa última que está em jogo na disputa entre fé e incredulidade: o princípio de tudo é a irracionalidade, a falta de liberdade e o acaso, ou então o princípio do ser é razão, liberdade, amor? O primado pertence à irracionalidade ou à razão? Tal é a questão de que, em última análise, se trata. Como crentes, respondemos com o relato da criação e com João: na origem, está a razão. Na origem, está a liberdade. Por isso, é bom ser uma pessoa humana. Assim o que sucedera no universo em expansão não foi que por fim, num angulozinho qualquer do cosmos, ter-se-ia formado por acaso também uma espécie como qualquer outra de ser vivente, capaz de raciocinar e de tentar encontrar na criação uma razão ou de lha conferir. Se o homem fosse apenas um tal produto casual da evolução num lugar marginal qualquer do universo, então a sua vida seria sem sentido ou mesmo um azar da natureza. Mas não! No início, está a Razão, a Razão criadora, divina. E, dado que é Razão, ela criou também a liberdade; e, uma vez que se pode fazer uso indevido da liberdade, existe também o que é contrário à criação. Por isso se estende, por assim dizer, uma densa linha escura através da estrutura do universo e através da natureza do homem. Mas, apesar desta contradição, a criação como tal permanece boa, a vida permanece boa, porque na sua origem está a Razão boa, o amor criador de Deus. Por isso, o mundo pode ser salvo. Por isso podemos e devemos colocar-nos da parte da razão, da liberdade e do amor, da parte de Deus que nos ama de tal maneira que Ele sofreu por nós, para que, da sua morte, pudesse surgir uma vida nova, definitiva, restaurada.

O relato veterotestamentário da criação, que escutámos, indica claramente esta ordem das coisas. Mas faz-nos dar um passo mais em frente. O processo da criação aparece estruturado no quadro de uma semana que se orienta para o Sábado, encontrando neste a sua perfeição. Para Israel, o Sábado era o dia em que todos podiam participar no repouso de Deus, em que homem e animal, senhor e escravo, grandes e pequenos estavam unidos na liberdade de Deus. Assim o Sábado era expressão da aliança entre Deus, o homem e a criação. Deste modo, a comunhão entre Deus e o homem não aparece como um acréscimo, algo instaurado posteriormente num mundo cuja criação estava já concluída. A aliança, a comunhão entre Deus e o homem, está prevista no mais íntimo da criação. Sim, a aliança é a razão intrínseca da criação, tal como esta é o pressuposto exterior da aliança. Deus fez o mundo, para haver um lugar no qual Ele pudesse comunicar o seu amor e a partir do qual a resposta de amor retornasse a Ele. Diante de Deus, o coração do homem que Lhe responde é maior e mais importante do que todo o imenso universo material que, certamente, já nos deixa vislumbrar algo da grandeza de Deus.

Entretanto, na Páscoa e a partir da experiência pascal dos cristãos, devemos ainda dar mais um passo. O Sábado é o sétimo dia da semana. Depois de seis dias em que o homem, de certa forma, participa no trabalho criador de Deus, o Sábado é o dia do repouso. Mas, na Igreja nascente, sucedeu algo de inaudito: no lugar do Sábado, do sétimo dia, entra o primeiro dia. Este, enquanto dia da assembleia litúrgica, é o dia do encontro com Deus por meio de Jesus Cristo, que no primeiro dia, o Domingo, encontrou como Ressuscitado os seus, depois que estes encontraram vazio o sepulcro. Agora inverte-se a estrutura da semana: já não está orientada para o sétimo dia, em que se participa no repouso de Deus; a semana inicia com o primeiro dia como dia do encontro com o Ressuscitado. Este encontro não cessa jamais de verificar-se na celebração da Eucaristia, durante a qual o Senhor entra de novo no meio dos seus e dá-Se a eles, deixa-Se por assim dizer tocar por eles, põe-Se à mesa com eles. Esta mudança é um facto extraordinário, quando se considera que o Sábado – o sétimo dia – está profundamente radicado no Antigo Testamento como o dia do encontro com Deus. Quando se pensa como a passagem do trabalho ao dia do repouso corresponde também a uma lógica natural, torna-se ainda mais evidente o alcance impressionante de tal alteração. Este processo inovador, que se deu logo ao início do desenvolvimento da Igreja, só se pode explicar com o facto de ter sucedido algo de inaudito em tal dia. O primeiro dia da semana era o terceiro depois da morte de Jesus; era o dia em que Ele Se manifestou aos seus como o Ressuscitado. De facto, este encontro continha nele algo de impressionante. O mundo tinha mudado. Aquele que estivera morto goza agora de um vida que já não está ameaçada por morte alguma. Fora inaugurada uma nova forma de vida, uma nova dimensão da criação. O primeiro dia, segundo o relato do Génesis, é aquele em que teve início a criação. Agora tornara-se, de uma forma nova, o dia da criação, tornara-se o dia da nova criação. Nós celebramos o primeiro dia. Deste modo celebramos Deus, o Criador, e a sua criação. Sim, creio em Deus, Criador do Céu e da Terra. E celebramos o Deus que Se fez homem, padeceu, morreu, foi sepultado e ressuscitou. Celebramos a vitória definitiva do Criador e da sua criação. Celebramos este dia como origem e simultaneamente como meta da nossa vida. Celebramo-lo porque agora, graças ao Ressuscitado, vale de modo definitivo que a razão é mais forte do que a irracionalidade, a verdade mais forte do que a mentira, o amor mais forte do que a morte. Celebramos o primeiro dia, porque sabemos que a linha escura que atravessa a criação não permanece para sempre. Celebramo-lo, porque sabemos que agora vale definitivamente o que se diz no fim do relato da criação: «Deus viu que tudo o que tinha feito; era tudo muito bom» (Gn 1, 31). Amen.

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O retorno do Dragão

O retorno do Dragão: "
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21 abril 2011

A (in) justiça social do PT

Do Brasil - Liberdade e Democracia


Além de pagarmos os juros mais altos do mundo, o Brasil é o pais com uma das cargas tributárias mais altas. O cidadão brasileiro paga mais impostos do que o cidadão alemão, espanhol, inglês, japonês ou americano.

E o pior de tudo é que no Brasil a carga tributária pesa mais no bolso das pessoas mais pobres. Vejam o quadro abaixo, que apesar de se referir ao ano de 2004 continua sendo válido, posto que não houve nenhuma reforma tributária. Pode ser que a carga de impostos até tenha aumentado para os mais pobres.



E o peso destes impostos não é revertido em benefícios para o povo. Segundo relatórios das Nações Unidas estamos em 70o lugar no que se refere ao Índice de Desenvolvimento Humano.

Mas nem é necessário se recorrer ao relatório do IDH da ONU.

Basta vermos os pedintes em nossas ruas. Basta vermos o que ocorre em nossos hospitais públicos. Basta vermos a qualidade cada vez pior de ensino que nossos filhos recebem.

Basta tomar um ônibus, metro ou trem nas horas de pico para ver que o dinheiro arrecadado não está sendo usado em benefício do povo.

Todos os dias ao abrirmos os jornais temos a certeza de que nossos governantes corruptos estão ficando ricos às custas do sacrifício do povo brasileiro.

É hora de darmos um basta. É hora de acordar. De tomarmos às ruas em protesto contra esta situação em que nos encontramos.

O alvo comum

Por Merval Pereira

O ex-presidente Lula deu ontem mais uma das inúmeras demonstrações que tem dado nos últimos anos de que não se preocupa em ser coerente nas suas opiniões desde que possa tirar algum proveito da palavra dita no momento político certo. Nisso, no timing político, ele parece imbatível, desde que não se levem em consideração valores republicanos como seriedade no debate, nem nos incomode a prática de distorcer as palavras do adversário para ganhar a discussão no tapetão ideológico.

Depois de tentar ridicularizar a preocupação do expresidente Fernando Henrique Cardoso com a nova classe média brasileira, transformando-a em abandono das classes populares, em reunião ontem com prefeitos do PT no estado de São Paulo o ex-presidente Lula defendeu que o partido busque alianças para as eleições municipais de 2012, incluindo nas suas chapas candidatos que atinjam setores da sociedade com os quais o PT tem dificuldades, como as classes médias e os empresários.

O exemplo de Lula foi seu ex-vice-presidente, José Alencar, a quem atribuiu importância capital na sua vitória de 2002 para a Presidência da República.

O diagnóstico de Lula está correto e corrobora a análise de Fernando Henrique. Os dois indicam o mesmo caminho para os partidos que lideram: a classe média ampliada deve decidir as próximas eleições municipais, especialmente diante de um quadro econômico adverso em que a inflação em alta e restrições de crédito podem afetar o sentimento de bem-estar que ela vem experimentando.

Na eleição municipal de 2004, o melhor ano em termos econômicos da administração Lula até aquele momento, isso não foi o suficiente. O governo perdeu as principais prefeituras do país, especialmente a de São Paulo, pois perdera o apoio da classe média de todo o país, atemorizada com o autoritarismo revelado por setores do governo e com o aparelhamento do Estado.

Além de todos esses problemas, há a questão da corrupção, que surgiu em meados de 2005 com o escândalo do mensalão.

De lá para cá, o desempenho sofrível do PT nas regiões Sul-Sudeste vem se mantendo inalterado, mostrando que ele continua a ter dificuldades na região mais rica e esclarecida do país.

Nada mais natural, portanto, que sua votação majoritária tenha migrado para o Nordeste.

O cientista político e ex-porta-voz de Lula, André Singer, professor da USP, fez um trabalho acadêmico que se tornou imprescindível na análise do fenômeno do lulismo, em que o define como um grupo conservador, composto pelos beneficiários dos programas assistencialistas do governo e pelo aumento do salário mínimo.

Esse grupo identifica o governo como o fiador da estabilidade econômica e vê nele a garantia de sua nova situação financeira, que teme perder se houver alguma mudança inesperada.

Esse conservadorismo pode favorecer o governo, mas pode também afastálos do governo se pressentir guinadas para a esquerda, por exemplo.

Essa análise do eleitorado brasileiro, e a necessidade de buscar uma conexão com esse grupo de cidadãos que hoje representa a maioria da população brasileira, é a mesma feita pelo ex-presidente Fernando Henrique, e fazer a ilação de que os tucanos são elitistas enquanto os petistas são os defensores do “povão” é apenas mais um embate político em que, por sinal, os petistas se saíram melhor até o momento porque os tucanos temem a imagem de elitistas.

Na análise petista, a nova classe média ainda está formando sua identidade sociocultural e por isso precisa ser acompanhada de per to. Entre 2003 e 2008, segundo dados do Centro de Pesquisas Sociais do Ibre, da Fundação Getulio Vargas do Rio, 31,9 milhões de pessoas ascenderam às classes ABC.

Essa “nova classe média”, suas aspirações e, sobretudo, sua capacidade de ser um “agente fundamental” em uma revisão de valores da sociedade brasileira são analisadas pelos cientistas políticos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier, no livro “A classe média brasileira: ambições, valores e projetos de sociedade”, da editora Campus com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), de que já tratei aqui na coluna. Vale a pena voltar a suas análises.

O fato de a mobilidade social dessas classes ter dependido amplamente do consumo, e não de novos padrões de organização ou desempenho na produção, demonstra a fragilidade dessa ascensão e justifica a incerteza que esses novos eleitores têm diante do quadro político.

Eles valorizam especialmente a educação, e os autores identificaram “um sentimento surpreendentemente generalizado” de insatisfação com a qualidade da educação.

A nova classe média, no entanto, considera a violência, a corrupção e as drogas como problemas mais graves que as carências referentes à saúde, ao desemprego, à habitação e à qualidade da educação.

Os cientistas políticos Amaury de Souza e Bolívar Lamounier constatam no livro que a classe média inclina-se pela democracia como a melhor forma de governo, “mas partilha com os demais segmentos da sociedade um sentimento de aversão à política”.

Em grande parte, esse sentimento deriva da percepção de que a corrupção campeia no mundo da política, mas as pesquisas mostram que é também amplamente disseminada a sensação de que “os políticos e os partidos não se importam com a opinião dos eleitores”.

É esse o eleitor do qual PT e PSDB estão atrás, assim como os partidos que disputam a centro-direita política, como o DEM e o futuro PSD.


Fonte: O Globo, 20/04/2011

20 abril 2011

“Gente que mente”


por Eduardo Graeff

ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA DESTA QUARTA-FEIRA (20.04.2011)

Vou andar com uma cópia do artigo que o senador Walter Pinheiro publicou aqui contra Fernando Henrique Cardoso (“O príncipe e o povo”, 17/4/2011). Vai ser útil quando me perguntarem qual é, afinal, o problema do PT.
O grande problema é a desonestidade. Não falo só da corrupção desenfreada. Pior que isso, para mim, é a desonestidade intelectual: o uso sistemático da mentira como arma política. Este é o pecado original que inspira outros pecados do PT, idiotiza seus quadros, polui sua relação com os aliados, azeda o diálogo com adversários e o indispõe com a liberdade de imprensa.
O ataque do senador petista escancara esse problema. A leitura deturpada de um artigo de FHC (“O papel da oposição”, reproduzido pela Folha.com em 13/4/2011) foi o pretexto do senador para martelar numa velha tecla: FHC não tem “sentimento de povo”!
O PT repete baboseiras como essa desde que escolheu FHC como inimigo. A escolha, como se sabe, deu-se em 1993. FHC pediu apoio ao PT para o Plano Real.
Em troca, o PSDB poderia apoiar Lula para presidente em 1994, como apoiara em 1989. O PT preferiu apostar contra o real. O plano deu certo, o PSDB lançou FHC para presidente e ele derrotou Lula no primeiro turno. Imperdoável!
Um erro leva a outros. Do Fundo Social de Emergência à Lei de Responsabilidade Fiscal, o PT se opôs a tudo que representou consolidação da estabilidade e modernização da economia no governo FHC.
Como se opôs a tudo que representou inovação das políticas sociais, do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) à Bolsa Escola, que Lula chamou de “Bolsa Esmola”.
A inconsistência das “bravatas” ficou clara quando Lula chegou ao governo e abraçou as políticas de FHC. Isso não impediu Lula de inventar a “herança maldita”. Nem impede o PT de atacar a sua caricatura de Fernando Henrique com tanto mais fúria quanto menos evidentes ficam as diferenças de suas políticas com as do FHC real.
Walter Pinheiro levou esse expediente ao nível do grotesco. Segundo ele, no governo FHC o povo “comia uma vez a cada três dias”. Só foi comer três vezes por dia no governo Lula. Supõe-se que o povo foi votar em 1998 de barriga vazia.
Na verdade, reelegeu FHC porque queria manter as conquistas do real. Nos oito anos antes de FHC, o valor real do salário mínimo, roído pela inflação, diminuiu 36%; o valor das aposentadorias do INSS maiores que o mínimo diminuiu 56%. Nos oito anos de FHC, o salário mínimo teve aumento real de 44% e as aposentadorias tiveram aumento real de 21%.
Como se o repertório de mentiras do PT não bastasse, o senador desenterrou uma lorota de Jânio Quadros. Com um toque pessoal: a “arguição” a que o senador se refere, sobre onde fica Sapopemba, nunca ocorreu, porque Jânio fugiu dos debates com FHC. A frase colou pelo jeito histriônico como Jânio pronunciou “Sa-po-pem-ba”.
Se ele sabia chegar lá, esqueceu como prefeito. O PT também. As grandes obras da prefeitura petista de São Paulo foram dois túneis malfeitos ligando os bairros ricos das margens do rio Pinheiros. E as palmeiras imperiais na frente do Shopping Iguatemi. Fino “sentimento de povo”, com efeito.

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O Papel da Oposição


Por: FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Há muitos anos, na década de 1970, escrevi um artigo com o título acima no jornal Opinião, que pertencia à chamada imprensa “nanica”, mas era influente. Referia-me ao papel do MDB e das oposições não institucionais. Na época, me parecia ser necessário reforçar a frente única antiautoritária e eu conclamava as esquerdas não armadas, sobretudo as universitárias, a se unirem com um objetivo claro: apoiar a luta do MDB no Congresso e mobilizar a sociedade pela democracia. Só dez anos depois a sociedade passou a atuar mais diretamente em favor dos objetivos pregados pela oposição, aos quais se somaram também palavras de ordem econômicas, como o fim do “arrocho” salarial. No entretempo, vivia-se no embalo do crescimento econômico e da aceitação popular dos generais presidentes, sendo que o mais criticado pelas oposições, em função do aumento de práticas repressivas, o general Médici, foi o mais popular: 75% de aprovação.

Não obstante, não desanimávamos. Graças à persistência de algumas vozes, como a de Ulisses Guimarães, às inquietações sociais manifestadas pelas greves do final da década e ao aproveitamento pelos opositores de toda brecha que os atropelos do exercício do governo, ou as dificuldades da economia proporcionaram (como as crises do petróleo, o aumento da dívida externa e a inflação), as oposições não calavam. Em 1974, o MDB até alcançou expressiva vitória eleitoral em pleno regime autoritário. Por que escrevo isso novamente, 35 anos depois?

Para recordar que cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo. Mas para tal precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo. Todas as vozes se confundem e não faltará quem diga – pois dizem mesmo sem ser certo – que todos, governo e oposição, são farinhas do mesmo saco, no fundo “políticos”. E o que se pode esperar dos políticos, pensa o povo, senão a busca de vantagens pessoais, quando não clientelismo e corrupção?

Diante do autoritarismo era mais fácil fincar estacas em um terreno político e alvejar o outro lado. Na situação presente, as dificuldades são maiores. Isso graças à convergência entre dois processos não totalmente independentes: o “triunfo do capitalismo” entre nós (sob sua forma global, diga-se) e a adesão progressiva – no começo envergonhada e por fim mais deslavada – do petismo lulista à nova ordem e a suas ideologias. Se a estes processos somarmos o efeito dissolvente que o carisma de Lula produziu nas instituições, as oposições têm de se situar politicamente em um quadro complexo. Complexidade crescente a partir dos primeiros passos do governo Dilma que, com estilo até agora contrastante com o do antecessor, pode envolver parte das classes médias. Estas, a despeito dos êxitos econômicos e da publicidade desbragada do governo anterior, mantiveram certa reserva diante de Lula. Esta reserva pode diminuir com relação ao governo atual se ele, seja por que razão for, comportar-se de maneira distinta do governo anterior. É cedo para avaliar a consistência de mudanças no estilo de governar da presidente Dilma. Estamos no início do mandato e os sinais de novos rumos dados até agora são insuficientes para avaliar o percurso futuro.


É preciso refazer caminhos

Antes de especificar estes argumentos, esclareço que a maior complexidade para as oposições se firmarem no quadro atual – comparando com o que ocorreu no regime autoritário, e mesmo com o petismo durante meu governo, pois o PT mantinha uma retórica semianticapitalista – não diminui a importância de fincar a oposição no terreno político e dos valores, para que não se perca no oportunismo nem perca eficácia e sentido, aumentando o desânimo que leva à inação. É preciso, portanto, refazer caminhos, a começar pelo reconhecimento da derrota: uma oposição que perde três disputas presidenciais não pode se acomodar com a falta de autocrítica e insistir em escusas que jogam a responsabilidade pelos fracassos no terreno “do outro”. Não estou, portanto, utilizando o que disse acima para justificar certa perplexidade das oposições, mas para situar melhor o campo no qual se devem mover.

Se as forças governistas foram capazes de mudar camaleonicamente a ponto de reivindicarem o terem construído a estabilidade financeira e a abertura da economia, formando os “cam¬peões nacionais” – as empresas que se globalizam – isso se deu porque as oposições minimizaram a capacidade de contorcionismo do PT, que começou com a Carta aos Brasileiros de junho de 1994 e se desnudou quando Lula foi simultaneamente ao Fórum Social de Porto Alegre e a Davos. Era o sinal de “adeus às armas”: socialismo só para enganar trouxas, nacional-desenvolvimentismo só como “etapa”. Uma tendência, contudo, não mudou, a do hegemonismo, ainda assim, aceitando aliados de cabresto.

Segmentos numerosos das oposições de hoje, mesmo no PSDB, aceitaram a modernização representada pelo governo FHC com dor de consciência, pois sentiam bater no coração as mensagens atrasadas do esquerdismo petista ou de sua leniência com o empreguismo estatal. Não reivindicaram com força, por isso mesmo, os feitos da modernização econômica e do fortalecimento das instituições, fato muito bem exemplificado pela displicência em defender os êxitos da privatização ou as políticas saneadoras, ou de recusar com vigor a mentira repetida de que houve compra de votos pelo governo para a aprovação da emenda da reeleição, ou de denunciar atrasos institucionais, como a perda de autonomia e importância das agências reguladoras. Da mesma maneira, só para dar mais alguns exemplos, o Proer e o Proes, graças aos quais o sistema financeiro se tornou mais sólido, foram solenemente ignorados, quando não estigmatizados. Os efeitos positivos da quebra dos monopólios, o do petróleo mais que qualquer outro, levando a Petrobras a competir e a atuar como empresa global e não como repartição pública, não foram reivindicados como êxitos do PSDB. O estupendo sucesso da Vale, da Embraer ou das teles e da Rede Ferroviária sucumbiu no murmúrio maledicente de “privatarias” que não existiram. A política de valorização do salário mínimo, que se iniciou no governo Itamar Franco e se firmou no do PSDB, virou glória do petismo. As políticas compensatórias iniciadas no governo do PSDB – as bolsas – que o próprio Lula acusava de serem esmolas e quase naufragaram no natimorto Fome Zero – voltaram a brilhar na boca de Lula, pai dos pobres, diante do silêncio da oposição e deslumbramento do país e… do mundo!

Não escrevo isso como lamúria, nem com a vã pretensão de imaginar que é hora de reivindicar feitos do governo peessedebista. Inês é morta, o passado… passou. Nem seria justo dizer que não houve nas oposições quem mencionasse com coragem muito do que fizemos e criticasse o lulismo. As vozes dos setores mais vigorosos da oposição se estiolaram, entretanto, nos muros do Congresso e este perdeu força política e capacidade de ressonância. Os partidos se transformaram em clubes congressuais, abandonando as ruas; muitos parlamentares trocaram o exercício do poder no Congresso por um prato de lentilhas: a cada nova negociação para assegurar a “governabilidade”, mais vantagens recebem os congressistas e menos força político-transformadora tem o Congresso. Na medida em que a maioria dos partidos e dos parlamentares foi entrando no jogo de fazer emendas ao orçamento (para beneficiar suas regiões, interesses – legítimos ou não – de entidades e, por fim, sua reeleição), o Congresso foi perdendo relevância e poder. Consequentemente, as vozes parlamentares, em especial as de oposição, que são as que mais precisam da instituição parlamentar para que seu brado seja escutado, perderam ressonância na sociedade. Com a aceitação sem protesto do “modo lulista de governar” por meio de medidas provisórias, para que serve o Congresso senão para chancelar decisões do Executivo e receber benesses? Principalmente, quando muitos congressistas estão dispostos a fazer o papel de maioria obediente a troco da liberação pelo Executivo das verbas de suas emendas, sem esquecer que alguns oposicionistas embarcam na mesma canoa.

Ironicamente, uma importante modificação institucional, a descentralização da ação executiva federal, estabelecida na Constituição de 1988 e consubstanciada desde os governos Itamar Franco e FHC, diluiu sua efetividade técnico-administrativa em uma pletora de recursos orçamentários “carimbados”, isto é, de orientação político-clientelista definida, acarretando sujeição ao Poder Central, ou, melhor, a quem o simboliza pessoalmente e ao partido hegemônico. Neste sentido, diminuiu o papel político dos governadores, bastião do oposicionismo em estados importantes, pois a relação entre prefeituras e governo federal saltou os governos estaduais e passou a se dar mais diretamente com a presidência da República, por meio de uma secretaria especial colada ao gabinete presidencial.

Como, por outra parte, existe – ou existiu até há pouco – certa folga fiscal e a sociedade passa por período de intensa mobilidade social movida pelo dinamismo da economia internacional e pelas políticas de expansão do mercado interno que geram emprego, o desfazimento institucional produzido pelo lulismo e a difusão de práticas clientelísticas e corruptoras foram sendo absorvidos, diante da indiferença da sociedade. Na época do mensalão, houve um início de desvendamento do novo Sistema (com S maiúsculo, como se escrevia para descrever o modelo político criado pelos governos militares). Então, ainda havia indignação diante das denúncias que a mídia fazia e os partidos ecoa¬vam no Parlamento. Pouco a pouco, embora a mídia continue a fazer denúncias, a própria opinião pública, isto é, os setores da opinião nacional que recebem informações, como que se anestesiou. Os cidadãos cansaram de ouvir tanto horror perante os céus sem que nada mude.


Diante deste quadro, o que podem fazer as oposições?

Definir o público a ser alcançado
Em primeiro lugar, não manter ilusões: é pouco o que os partidos podem fazer para que a voz de seus parlamentares alcance a sociedade. É preciso que as oposições se deem conta de que existe um público distinto do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais atingido pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e midiática em geral. As oposições se baseiam em partidos não propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental. Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias.

Sendo assim, dirão os céticos, as oposições estão perdidas, pois não atingem a maioria. Só que a realidade não é bem essa. Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de “classe C” ou de nova classe média. Digo imprecisamente porque a definição de classe social não se limita às categorias de renda (a elas se somam educação, redes sociais de conexão, prestígio social, etc.), mas não para negar a extensão e a importância do fenômeno. Pois bem, a imensa maioria destes grupos – sem excluir as camadas de trabalhadores urbanos já integrados ao mercado capitalista – está ausente do jogo político-partidário, mas não desconectada das redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc. É a estes que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no período entre as eleições, quando os partidos falam para si mesmo, no Congresso e nos governos. Se houver ousadia, os partidos de oposição podem organizar-se pelos meios eletrônicos, dando vida não a diretórios burocráticos, mas a debates verdadeiros sobre os temas de interesse dessas camadas.

Mas não é só isso: as oposições precisam voltar às salas universitárias, às inúmeras redes de palestras e que se propagam pelo país afora e não devem, obviamente, desacreditar do papel da mídia tradicional: com toda a modernização tecnológica, sem a sanção derivada da confiabilidade, que só a tradição da grande mídia assegura, tampouco as mensagens, mesmo que difundidas, se transformam em marcas reconhecidas. Além da persistência e ampliação destas práticas, é preciso buscar novas formas de atuação para que a oposição esteja presente, ou pelo menos para que entenda e repercuta o que ocorre na sociedade. Há inúmeras organizações de bairro, um sem-número de grupos musicais e culturais nas periferias das grandes cidades, etc., organizações voluntárias de solidariedade e de protesto, redes de consumidores, ativistas do meio ambiente, e por aí vai, que atuam por conta própria. Dado o anacronismo das instituições político-partidárias, seria talvez pedir muito aos partidos que mergulhem na vida cotidiana e tenham ligações orgânicas com grupos que expressam as dificuldades e anseios do homem comum. Mas que pelo menos ouçam suas vozes e atuem em consonância com elas.

Não deve existir uma separação radical entre o mundo da política e a vida cotidiana, nem muito menos entre valores e interesses práticos. No mundo interconectado de hoje, vê-se, por exemplo, o que ocorre com as revoluções no meio islâmico, movimentos protestatários irrompem sem uma ligação formal com a política tradicional. Talvez as discussões sobre os meandros do poder não interessem ao povo no dia-a-dia tanto quanto os efeitos devastadores das enchentes ou o sufoco de um trânsito que não anda nas grandes cidades. Mas, de repente, se dá um “curto-circuito” e o que parecia não ser “política” se politiza. Não foi o que ocorreu nas eleições de 1974 ou na campanha das “diretas já”? Nestes momentos, o pragmatismo de quem luta para sobreviver no dia-a-dia lidando com questões “concretas” se empolga com crenças e valores. O discurso, noutros termos, não pode ser apenas o institucional, tem de ser o do cotidiano, mas não desligado de valores. Obviamente em nosso caso, o de uma democracia, não estou pensando em movimentos contra a ordem política global, mas em aspirações que a própria sociedade gera e que os partidos precisam estar preparados para que, se não os tiverem suscitado por sua desconexão, possam senti-los e encaminhá-los na direção política desejada.

Seria erro fatal imaginar, por exemplo, que o discurso “moralista” é coisa de elite à moda da antiga UDN. A corrupção continua a ter o repúdio não só das classes médias como de boa parte da população. Na última campanha eleitoral, o momento de maior crescimento da candidatura Serra e de aproximação aos resultados obtidos pela candidata governista foi quando veio à tona o “episódio Erenice”. Mas é preciso ter coragem de dar o nome aos bois e vincular a “falha moral” a seus resultados práticos, negativos para a população. Mais ainda: é preciso persistir, repetir a crítica, ao estilo do “beba Coca Cola” dos publicitários. Não se trata de dar-nos por satisfeitos, à moda de demonstrar um teorema e escrever “cqd”, como queríamos demonstrar. Seres humanos não atuam por motivos meramente racionais. Sem a teatralização que leve à emoção, a crítica – moralista ou outra qualquer – cai no vazio. Sem Roberto Jefferson não teria havido mensalão como fato político.


Qual é a mensagem?

Por certo, os oposicionistas para serem ouvidos precisam ter o que dizer. Não basta criar um público, uma audiência e um estilo, o conteúdo da mensagem é fundamental. Qual é a mensagem? O maior equívoco das oposições, especialmente do PSDB, foi o de haver posto à margem as mensagens de modernização, de aggiornamento do País, e de clara defesa de uma sociedade democrática comprometida com causas universais, como os direitos humanos e a luta contra a opressão, mesmo quando esta vem mascarada de progressismo, apoiada em políticas de distribuição de rendas e de identificação das massas com o Chefe. Nas modernas sociedades democráticas, por outro lado, o Estado tanto mantém funções na regulação da economia como em sua indução, podendo chegar a exercer papel como investidor direto. Mas o que caracteriza o Estado em uma sociedade de massas madura é sua ação democratizadora. Os governos devem tornar claros, transparentes, e o quanto possível imunes à corrupção, os mecanismos econômicos que cria para apoiar o desenvolvimento da economia. Um Estado moderno será julgado por sua eficiência para ampliar o acesso à educação, à saúde e à previdência social, bem como pela qualidade da segurança que oferece às pessoas. Cabe às oposições serem a vanguarda nas lutas por estes objetivos.

Defender o papel crescente do Estado nas sociedades democráticas, inclusive em áreas produtivas, não é contraditório com a defesa da economia de mercado. Pelo contrário, é preciso que a oposição diga alto e bom som que os mecanismos de mercado, a competição, as regras jurídicas e a transparência das decisões são fundamentais para o Brasil se modernizar, crescer economicamente e se desenvolver como sociedade democrática. Uma sociedade democrática amadurecida estará sempre comprometida com a defesa dos direitos humanos, com a ecologia e com o combate à miséria e às doenças, no país e em toda a parte. E compreende que a ação isolada do Estado, sem a participação da sociedade, inclusive dos setores produtivos privados, é insuficiente para gerar o bem-estar da população e oferecer bases sólidas para um desenvolvimento econômico sustentado.

Ao invés de se aferrarem a esses valores e políticas que lhes eram próprios como ideologia e como prática, as oposições abriram espaço para que o lulopetismo ocupasse a cena da modernização econômica e social. Só que eles têm os pés de barro: a cada instante proclamam que as privatizações “do PSDB” foram contra a economia do País, embora comecem a fazer descaradamente concessões de serviços públicos nas estradas e nos aeroportos, como se não estivessem fazendo na prática o mea-culpa. Cabe às oposições não apenas desmascarar o cinismo, mas, sobretudo, cobrar o atraso do País: onde está a infraestrutura que ficou bloqueada em seus avanços pelo temor de apelar à participação da iniciativa privada nos portos, nos aeroportos, na geração de energia e assim por diante? Quão caro já estamos pagando pela ineficiência de agências reguladoras entregues a sindicalistas “antiprivatizantes” ou a partidos clientelistas, como se tornou o PCdoB, que além de vender benesses no ministério dos Esportes, embota a capacidade controladora da ANP, que deveria evitar que o monopólio voltasse por vias transversas e prejudicasse o futuro do País.


Oposição precisa vender o peixe

Dirão novamente os céticos que nada disso interessa diretamente ao povo. Ora, depende de como a oposição venda o peixe. Se tomarmos como alvo, por exemplo, o atraso nas obras necessárias para a realização da Copa e especializarmos três ou quatro parlamentares ou técnicos para martelar no dia-a-dia, nos discursos e na internet, o quanto não se avança nestas áreas por causa do burocratismo, do clientelismo, da corrupção ou simplesmente da viseira ideológica que impede a competição construtiva entre os setores privados e destes com os monopólios, e se mostrarmos à população como ela está sendo diretamente prejudicada pelo estilo petista de política, criticamos este estilo de governar, suscitamos o interesse popular e ao mesmo tempo oferecemos alternativas.

Na vida política tudo depende da capacidade de politizar o apelo e de dirigi-lo a quem possa ouvi-lo. Se gritarmos por todos os meios disponíveis que a dívida interna de R$ 1,69 trilhão (mostrando com exemplos ao que isto corresponde) é assustadora, que estamos pagando R$ 50 bilhões por ano para manter reservas elevadas em dólares, que pagamos a dívida (pequena) ao FMI sobre a qual incidiam juros moderados, trocando-a por dívidas em reais com juros enormes, se mostrarmos o quanto custa a cada contribuinte cada vez que o Tesouro transfere ao BNDES dinheiro que o governo não tem e por isso toma emprestado ao mercado pagando juros de 12% ao ano, para serem emprestados pelo BNDES a juros de 6% aos grandes empresários nacionais e estrangeiros, temos discurso para certas camadas da população. Este discurso deve desvendar, ao mesmo tempo, o porquê do governo assim proceder: está criando um bloco de poder capitalista-burocrático que sufoca as empresas médias e pequenas e concentra renda.

Este tipo de política mostra descaso pelos interesses dos assalariados, dos pequenos produtores e profissionais liberais de tipo antigo e novo, setores que, em conjunto, custeiam as benesses concedidas ao grande capital com impostos que lhe são extraídos pelo governo. O lulopetismo não está fortalecendo o capitalismo em uma sociedade democrática, mas sim o capitalismo monopolista e burocrático que fortalece privilégios e corporativismos.

Com argumentos muito mais fracos o petismo acusou o governo do PSDB quando, em fase de indispensável ajuste econômico, aumentou a dívida interna (ou, melhor, reconheceu os “esqueletos” compostos por dívidas passadas) e usou recursos da privatização – todos contabilizados – para reduzir seu crescimento. A dívida pública consolidada do governo lulista foi muito maior do que a herdada por este do governo passado e, no entanto, a opinião pública não tomou conhecimento do fato. As oposições não foram capazes de politizar a questão. E o que está acontecendo agora quando o governo discute substituir o fator previdenciário, recurso de que o governo do PSDB lançou mão para mitigar os efeitos da derrota sofrida para estabelecer uma idade mínima de aposentadoria? Propondo a troca do fator previdenciário pela definição de… uma idade mínima de aposentadoria.


Petistas camaleões

Se os governistas são camaleões (ou, melhor, os petistas, pois boa parte dos governistas nem isso são: votavam com o governo no passado e continuam a votar hoje, como votarão amanhã), em vez de saudá-los porque se aproximam da racionalidade ou de votarmos contra esta mesma racionalidade, negando nossas crenças de ontem, devemos manter a coerência e denunciar as falsidades ideológicas e o estilo de política de mistificação dos fatos, tantas vezes sustentado pelo petismo.

São inumeráveis os exemplos sobre como manter princípios e atuar como uma oposição coerente. Mesmo na questão dos impostos, quando o PSDB e o DEM junto com o PPS ajudaram a derrubar a CPMF, mostraram que, coerentes, dispensaram aquele imposto porque ele já não era mais necessário, como ficou demonstrado pelo contínuo aumento da receita depois de sua supressão. É preciso continuar a fazer oposição à continuidade do aumento de impostos para custear a máquina público-partidária e o capitalismo burocrático dos novos dinossauros. É possível mostrar o quanto pesa no bolso do povo cada despesa feita para custear a máquina público-partidária e manter o capitalismo burocrático dos novos dinossauros. E para ser coerente, a oposição deve lutar desde já pela redução drástica do número de cargos em comissão, nomeados discricionariamente, bem como pelo estabelecimento de um número máximo de ministérios e secretarias especiais, para conter a fúria de apadrinhamento e de conchavos partidários à custa do povo.

Em suma: não há oposição sem “lado”. Mais do que ser de um partido, é preciso “tomar partido”. É isso que a sociedade civil faz nas mais distintas matérias. O que o PSDB pensa sobre liberdade e pluralidade religiosa? Como manter a independência do Estado laico e, ao mesmo tempo, prestigiar e respeitar as religiões que formam redes de coesão social, essenciais para a vida em sociedade? O que pensa o partido sobre o combate às drogas? É preciso ser claro e sincero: todas as drogas causam danos, embora de alcance diferente. Adianta botar na cadeia os drogados?


Sinceridade comove a população

Há casos nos quais a regulação vale mais que a proibição: veja-se o tabaco e o álcool, ambos extremadamente daninhos. São não apenas regulados em sua venda e uso (por exemplo, é proibido fumar em locais fechados ou beber depois de uma festa e guiar automóveis) como estigmatizados por campanhas publicitárias, pela ação de governos e das famílias. Não seria o caso de fazer a mesma coisa com a maconha, embora não com as demais drogas muito mais danosas, e concentrar o fogo policial no combate aos traficantes das drogas pesadas e de armas? Se disso ainda não estivermos convencidos, pelo menos não fujamos à discussão, que já corre solta na sociedade. Sejamos sinceros: é a sinceridade que comove a população e não a hipocrisia que pretende não ver o óbvio.

Se a regra é ser sincero, por que temer ir fundo e avaliar o que nós próprios fizemos no passado, acreditando estar certos, e que continua sendo feito, mas que requer uma revisão? Tome-se o exemplo da reforma agrária e dos programas de incentivo à economia familiar. Fomos nós do PSDB que recriamos o Ministério da Reforma Agrária e, pela primeira vez, criamos um mecanismo de financiamento da agricultura familiar, o Pronaf. Nenhum governo fez mais em matéria de acesso à terra do que o do PSDB quando a pasta da Reforma era dirigida por um membro do PPS. Não terá chegado a hora de avaliar os resultados? O Pronaf não estará se transformando em mecanismo de perpétua renovação de dívidas, como os grandes agricultores faziam no passado com suas dívidas no Banco do Brasil? Qual é o balanço dos resultados da reforma agrária? E as acusações de “aparelhamento” da burocracia pelo PT e pelo MST são de fato verdadeiras? Sem que a oposição afirme precipitadamente que tudo isso vai mal – o que pode não ser correto – não pode temer buscar a verdade dos fatos, avaliar, julgar e criticar para corrigir.

Existe matéria em abundância para manter os princípios e para ir fundo nas críticas sem temer a acusação injusta de que se está defendendo “a elite”. Mas política não é tese universitária. É preciso estabelecer uma agenda. Geralmente esta é dada pelo governo. Ainda assim, usemo-la para concentrar esforços e dar foco, repetição e persistência à ação oposicionista. Tomemos um exemplo, o da reforma política, tema que o governo afirma estar disposto a discutir. Pois bem, o PSDB tem posição firmada na matéria: é favorável ao voto distrital (misto ou puro, ainda é questão indefinida). Se é assim, por que não recusar de plano a proposta da “lista fechada”, que reforça a burocracia partidária, não diminui o personalismo (ou alguém duvida que se pedirão votos para a lista “do Lula”?) e separa mais ainda o eleitor dos representantes?


Compromisso com o voto digital

Não é preciso afincar uma posição de intransigência: mantenhamos o compromisso com o voto distrital, façamos a pregação. Se não dispusermos de forças para que nossa tese ganhe, aceitemos apenas os melhoramentos óbvios no sistema atual: cláusula de desempenho (ou de barreira), proibição de coligações nas eleições proporcionais e regras de fidelidade partidária, ainda que para algumas destas medidas seja necessário mudança constitucional. Deixemos para outra oportunidade a discussão sobre financiamento público das campanhas, pois sem a distritalização o custo para o contribuinte será enorme e não se impedirá o financiamento em “caixa preta” nem o abuso do poder econômico. Mas denunciemos o quanto de antidemocrático existe no voto em listas fechadas. Em suma: não será esta uma boa agenda para a oposição firmar identidade, contrapor-se à tendência petista de tudo burocratizar e, ao mesmo tempo, não se encerrar em um puro negativismo aceitando modificações sensatas?

Por fim, retomando o que disse acima sobre o “triunfo do capitalismo”. O governo do PT e o próprio partido embarcaram, sem dizer, na adoração do bezerro de ouro. Mas, marcados pelos cacoetes do passado, não perceberam que o novo na fase contemporânea do capitalismo não é apenas a acumulação e o crescimento da economia. Os grandes temas que se estão desenhando são outros e têm a ver com o interesse coletivo: como expandir a economia sem destroçar o meio ambiente, como assegurar direitos aos destituídos deles, não só pela pobreza, mas pelas injustiças (desigualdades de gênero, de raça, de acesso à cultura)? Persistem preocupações antigas: como preservar a Paz em um mundo no qual há quem disponha da bomba nuclear?

A luta pela desnuclearização tem a ver com o sentido de um capitalismo cuja forma “selvagem” a sociedade democrática não aceita mais. Esta nova postura é óbvia no caso da ecologia, pois o natural egoísmo dos Estados, na formulação clássica, se choca com a tese primeira, a da perpetuação da vida humana. O terror atômico e o aquecimento global põem por terra visões fincadas no terreno do nacional-estatismo arcaico. Há um nacionalismo de novo tipo, democrático, aberto aos desafios do mundo e integrado nele, mas alerta aos interesses nacionais e populares. Convém redefinir, portanto, a noção do interesse nacional, mantendo-o persistente e alerta no que é próprio aos interesses do País, mas compatibilizando-o com os interesses da humanidade.

Estas formulações podem parecer abstra¬tas, embora se traduzam no dia-a-dia: no Brasil, ninguém discute sobre qual o melhor modo de nossa presença no mundo: será pelo velho caminho armamentista, nuclearizando--nos, ou nossas imensas vantagens comparativas em outras áreas, entre elas as do chamado soft power, podem primar? Por exemplo, nossa “plasticidade cultural mestiça”, a aceitação das diferenças raciais – sem que se neguem e combatam as desigualdades e preconceitos ainda existentes – não são um ganho em um mundo multipolar e multicultural? E a disponibilidade de uma matriz energética limpa, sem exageros de muitas usinas atômicas (sempre perigosas), bem como os avanços na tecnologia do etanol, não nos dão vantagens? Por que não discutir, a partir daí, o ritmo em que exploraremos o pré-sal e as obscuras razões para a “estatização do risco e divisão do lucro” entre a Petrobras e as multinacionais por meio do sistema de partilha? São questões que não exploramos devidamente, ou cujas decisões estão longe de ser claramente compatíveis com o interesse nacional de longo prazo.


Falta de estratégia

Na verdade, falta-nos estratégia. Estratégia não é plano de ação: é o peso relativo que se dá às questões desafiadoras do futuro somado à definição de como as abordaremos. Que faremos neste novo mundo para competir com a China, com os Estados Unidos ou com quem mais seja? Como jogar com nossos recursos naturais (petróleo à frente) como fator de sucesso e poder sem sermos amanhã surpreendidos pelo predomínio de outras fontes de energia? E, acima de tudo, como transformar em políticas o anseio por uma “revolução educacional” que dê lugar à criatividade, à invenção e aos avanços das tecnologias do futuro?

A China, ao que parece, aprendeu as lições da última crise e está apostando na inovação, preparando-se para substituir as fontes tradicionais de energia, sobretudo o petróleo, de que não dispõe em quantidade suficiente para seu consumo crescente. E os próprios Estados Unidos, embora atônitos com os erros acumulados desde a gestão Bush, parecem capazes de continuar inovando, se conseguirem sair depressa da crise financeira que os engolfou.

De tudo isso o PT e seus governos falam, mas em ziguezague. As amarras a uma visão oposta, vinda de seu passado recente, os inibem para avançar mais. Não é hora das oposições serem mais afirmativas? E se por acaso, como insinuei no início deste artigo, houver divisões no próprio campo do petismo por causa da visão canhestra de muitos setores que apoiam o governo e de suas necessidades práticas o levarem a direções menos dogmáticas? Neste caso, embora seja cedo para especular, terá a oposição inteireza e capacidade política para aproveitar as circunstâncias e acelerar a desagregação do antigo e apostar no novo, no fortalecimento de uma sociedade mais madura e democrática?

Engana-se quem pensar que basta manter a economia crescendo e oferecer ao povo a imagem de uma sociedade com mobilidade social. Esta, ao ocorrer, aumenta as demandas tanto em termos práticos, de salários e condições de vida, como culturais. Em um mundo interconectado pelos modernos meios de comunicação o cidadão comum deseja saber mais, participar mais e avaliar por si se de fato as diferenças econômicas e sociais estão diminuindo. Sem, entretanto, uma oposição que se oponha ao triunfalismo lulista, que coroa a alienação capitalista, desmistificando tudo o que seja mera justificativa publicitária do poder e chamando a atenção para os valores fundamentais da vida em uma sociedade democrática, só ocorrerão mudanças nas piores condições: quando a fagulha de alguma insatisfação produzir um curto-circuito. Mesmo este adiantará pouco se não houver à disposição uma alternativa viável de poder, um caminho preparado por lideranças nas quais a população confie.

No mundo contemporâneo este caminho não se constrói apenas por partidos políticos, nem se limita ao jogo institucional. Ele brota também da sociedade, de seus blogs, twitters, redes sociais, da mídia, das organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo. Não existe apenas uma oposição, a da arena institucional; existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade. Reitero: se as oposições institucionais não forem capazes de se ligar mais diretamente aos movimentos da vida, que pelo menos os ouçam e não tenham a pretensão de imaginar que pelo jogo congressual isolado alcançarão resultados significativos. Os vários focos de insatisfação social, por sua vez, também podem se perder em demandas específicas a serem atendidas fragmentariamente pelo governo se não encontrarem canais institucionais que expressem sua vontade maior de transformação. As oposições políticas, por fim, se nada ou pouco tiverem a ver com as múltiplas demandas do cotidiano, como acumularão forças para ganhar a sociedade?

• FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, sociólogo, foi presidente da República (1995–2003) e é presidente de honra do PSDB.

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