16 agosto 2008

MAIS DIREITO, MENOS LIBERDADE

O título deste artigo se refere a uma frase atribuída ao filósofo do Direito Norberto Bobbio. Uma das interpretações mais comuns desta máxima refere-se à conseqüência do excesso de regulação que o Estado provoca na vida do cidadão: uma vez que o Direito visa a estipular a forma de convivência entre as pessoas, quanto mais existam regras, menos pode o cidadão exercer a liberdade de fazer o que se quiser e bem entender. É uma forma de se repetir a antiga máxima kantiana: o direito de um termina onde começa o do outro.

A regulação das eleições pela lei federal n. 9.504/97 leva a uma série de limitações necessárias da liberdade dos candidatos de conduzirem suas campanhas. Alguns chegam até mesmo a ter medo ou se desestimulam a pleitearem cargos eletivos, tendo em vista a forma como tais vêm sendo tratados pelo regulamento eleitoral (aí incluídas as instruções do Tribunal Superior Eleitoral): em vez de serem as pessoas a serem avaliadas e escolhidas, passam a ser as pessoas a serem evitadas.

De fato, é imprescindível que haja regras balizando a disputa eleitoral. Porém, a regulação não pode implicar na pasteurização das campanhas eleitorais. Tanto o clima de “liberou geral” que parecia existir antigamente quanto o clima do “não pode” de hoje são altamente nocivas ao exercício da liberdade do cidadão de poder escolher seus candidatos, haja vista o clima morno das últimas duas ou três campanhas em que não mais se presencia a participação ativa das pessoas nos debates públicos, limitando-se estas a “assistirem” a campanha, sobretudo na televisão – em que se sucedem personagens exóticos e enfadonhos para alegrar o “programa” televisivo em detrimento da exposição de idéias. Se o Direito Eleitoral atribui a capacidade eleitoral ativa ao eleitor e a passiva, ao candidato, hoje se dá o inverso: o eleitor é passivo e candidato é ativo.

Outro efeito nocivo e gravíssimo é a judicialização da disputa eleitoral, que termina servindo, muitas vezes, para suplantar a escolha livre e democrática do povo. Assim, a Justiça Eleitoral é levada a substituir-se ao povo para, em nome deste, escolher um dos rejeitados nas urnas. Algumas vezes interpretações psicodélicas do Ministério Público Eleitoral são levadas à Juízo, ainda que em nome “da defesa da ordem jurídica”, implicando em tumulto à campanha eleitoral. O mais grave é o MPE saber da inviabilidade jurídica de sua tese, em inequívoco confronto com o direito vigente que diz defender, e mesmo assim buscar ser a estrela do processo eleitoral, arriscando-se a incorrer no cometimento do crime da “denunciação caluniosa”, capitulado no art. 339 do Código Penal. Este risco também corre alguns candidatos.

Estas práticas, na verdade, tratam o eleitor como um incapaz de pensar e de escolher segundo suas convicções e seu discernimento. Seus praticantes acham que o povo é uma espécie de "alienado mental" e que, por não entender o que se passa a sua volta, está sempre correndo o risco de ser tolhido em seu direito de escolha e que esta será sempre viciada. Será que a maioria das pessoas não é capaz de decidir por si só? De avaliar os candidatos e suas propostas? Inclusive as práticas proibidas?

Chama a atenção o fato da quantidade de cassações ocorrida nas últimas eleições municipais. E as estatísticas devem ser avaliadas por vários ângulos. Arrisco a chamar atenção para um: não teria havido excesso, não de rigor da aplicação da lei (que é objetiva), de judicialização da disputa eleitoral a tal ponto de se usar dolosamente da Justiça Eleitoral como um colégio eleitoral, aplicando-se, por vias tortuosas, a ressurreição de eleições indiretas?

Se o patriotismo é o último refúgio do canalha, como disse Samuel Johnson, me parece que, muitas vezes, o argumento da “defesa do direito” é o último refúgio dos autoritários e dos frustrados. A Justiça Eleitoral é séria demais para ser transmudada em guarida dos que não se conformam com as escolhas livres, soberanas e democráticas.

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