13 outubro 2010

As privatizações e o bem que fizeram ao Brasil voltam ao debate — e isto é m...


via Ricardo Setti - VEJA.com de ricardosetti em 12/10/10

Covas e FHC
Covas e FHC
Poucas vezes o eleitorado de São Paulo foi submetido a uma dose tão maciça de demagogia quanto a que lhe aplicou em 2002 o então candidato do PPB ao governo estadual, Paulo Maluf. A peça-chave da propaganda malufista de então consistia numa guerra contra os pedágios cobrados nas rodovias estaduais geridas pela iniciativa privada, graças a um programa de concessões iniciado no primeiro mandato (1995-1999) do falecido governador tucano Mário Covas.
COVAS E FHC PERDERAM A BATALHA DA COMUNICAÇÃO – O programa teve resultados extraordinários, mas Covas, mesmo sendo um excepcional quadro da política brasileira, não venceu plenamente junto à opinião pública a batalha da comunicação nessa questão, como em outras ligadas à concessão de serviços ou à privatização de empresas.
Não venceu porque nunca se deixou convencer de que isso era fundamental para o sucesso, a longo prazo, dos programas.
Com o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) ocorreu o mesmo. Isso fez desaparecer a questão da privatização da campanha presidencial de 2002, na qual José Serra (PSDB), no confronto com Lula (PT), fugia dela como o vampiro da luz do sol, da mesma forma como procedeu o tucano Geraldo Alckmin contra o então presidente Lula, quatro anos depois.
Agora, graças à coragem do ex-governador e senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves (leia aqui), o tema está recolocado na mesa.
A demagogia petista, que demoniza as privatizações como "venda a preço de banana do patrimônio público", continua. Mas Serra já não foge mais do assunto: conseguiu até falar no progresso espetacular alçado pela telefonia — graças à privatização — em seu debate de domingo com a presidenciável Dilma Rousseff (PT). Isso é bom para o país.
PREJUÍZOS NA COSIPA, FARRA NA PETROBRÁS – Ele poderia ter ido muito mais longe. Lembrar exemplos tenebrosos, como o da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), estatal federal situada em Cubatão (SP), que em 1993, um ano antes da primeira eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, dava um prejuízo diário de 1 milhão de dólares aos cofres públicos.
Ou da farra que havia na Petrobrás, que, também nessa época, chegava a recolher mensalmente ao fundo de pensão de seus funcionários, o famoso Petros, dez vezes mais do que a contribuição do próprio funcionário.
A empresa estava, então, voltada antes de mais nada para os interesses dos próprios funcionários, num processo de corporativismo em que seu Conselho de Administração era composto por quadros da própria empresa, sem autonomia alguma em relação a ela – a raposa tomando conta do galinheiro.
Deixou de falar no setor siderúrgico, que, desestatizado, é um dos mais competitivos do mundo, deixou de dar prejuízos, cria empregos, projetou-se para o exterior – empresas brasileiras possuem siderúrgicas até nos Estados Unidos –, engorda os cofres públicos com impostos generosos e a balança comercial brasileira com um enorme volume de exportações.
Os bons exemplos do sucesso das privatizações dos ex-presidentes Itamar Franco (1992-1995) e Fernando Henrique são incontáveis.
Rodovia dos Imigrantes
Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo
PEDÁGIOS, SIM, MAS ESTRADAS DE PRIMEIRO MUNDO – Em São Paulo, o processo de concessões de rodovias que Maluf atacava como o símbolo do Mal não se realizou na escuridão nem em gabinetes fechados. Antes de entrar em vigor, foi longamente discutido com diferentes setores e devidamente aprovado pelos representantes eleitos pelo povo na Assembléia Legislativa. Depois, os respectivos contratos, válidos por 20 anos, foram regularmente aprovados pelo Tribunal de Contas.
O resultado foi que o estado de São Paulo, que já dispunha da melhor malha viária do país, passou a oferecer aos cidadãos, com as estradas sob concessão, rodovias ainda melhores, com padrão de Primeiro Mundo: pistas seguras, sinalização perfeita, manutenção permanente e de boa qualidade, socorro gratuito aos motoristas.
Quem ainda não conhece e percorrer a nova pista da Rodovia dos Imigrantes, que já tem oito anos de uso, por exemplo, pode julgar que está sonhando – que viaja em uma estrada da Alemanha ou do Canadá.
PAGA QUEM USA – Os contratos que os governos Covas (1995-2001) e depois Alckmin (2001-2007) assinaram  com as empresas privadas foram rigorosos quanto a prazos, exigências de novas obras e impacto ambiental.
Além disso, desde que o programa começou, o governo deixou de investir nas estradas privatizadas algo como 12 bilhões de reais, que puderam ser alocados para áreas fundamentais para a vida da população, como segurança pública, educação e saúde.
Evidente e inevitavelmente, o programa não alcançou a perfeição divina: empresas concessionárias ergueram mais rapidamente praças de pedágio do que passarelas de pedestres, por exemplo. Nada que não possa ser resolvido, e vem sendo, pela agência reguladora paulista.
Mesmo assim, Maluf, no desespero de chegar a um governo que antes só alcançara pela via biônica, prometia horários com pedágio livre e, contraditoriamente para alguém que se diz favorável à iniciativa privada, concentrava suas baterias num programa que teve, no nascedouro, uma lógica simples e justa: quem paga pelas estradas, via pedágio, é quem delas se utiliza, e não a sociedade inteira, via impostos.
Maluf: a peça-chave da propaganda consistia numa guerra contra os pedágios nas rodovias estaduais
Maluf: a peça-chave da sua propaganda consistia numa guerra contra os pedágios das rodovias estaduais
ATÉ A CHINA E O VIETNÃ FAZEM – O eleitorado durante um tempo se sensibilizou com as promessas de Maluf já que, como mencionei, Covas não dedicou energia suficente para explicar as concessões de estradas e privatizações propriamente ditas que empreendeu, como a da Companhia Energética de São Paulo (CESP). Na campanha eleitoral, seu sucessor, o governador Geraldo Alckmin, teve que correr atrás do prejuízo – e acabou vencendo as eleições.
Com o governo de FHC não foi diferente – foi, na verdade, até pior. A privatização, um poderoso instrumento gerador de riquezas e de transformação econômica e social, que tornou dinâmicas e competitivas economias que caíam pelas tabelas nos anos 70, como as da Itália e do Reino Unido, e lançou no século XXI países que chochilavam à margem da modernidade, como a Espanha, tornou-se, pela propaganda dos adversários, um crime de lesa-pátria.
Quanto até países comunistas como a China e o Vietnã haviam descoberto a privatização como maneira de gerar riqueza, crescimento econômico, modernidade tecnológica e empregos – fora o aumento na arrecadação de impostos –, aqui vivíamos um clima pré-queda do Muro de Berlim.
SEM "CAPITALISMO POPULAR" – Cada leilão nas bolsas de valores virou uma batalha campal, com a polícia precisando conter manifestantes e baderneiros agredindo empresários e executivos. O processo, além do mais, tropeçou em erros graves.
Houve suspeitas de favorecimento, não comprovadas na Justiça mas que municiaram e ainda municiam os críticos. (Por falar nisso, no governo do ultracrítico PT de Lula, mudou-se uma lei séria, a Lei Geral das Telecomunicações  –lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 –, unicamente para favorecer uma fusão, que a legislação, até então, sabiamente impedia, de dois gigantes do setor).
Margaret Thatcher na capa da revista Time, em 1979
Margaret Thatcher na capa da revista Time, em 1979
O erro principal talvez tenha sido a prioridade que se deu à transferência dos serviços ou empresas do estado para grandes grupos, especialmente estrangeiros, com capital e capacidade gerencial e tecnológica inquestionáveis, mas com isso abandonando a possibilidade de pulverizar as ações entre os consumidores e criar, assim, um embrião de "capitalismo popular" como fez Margaret Thatcher a partir do final dos anos 70 no Reino Unido.
Outro foi o momento escolhido para destinar ao abatimento da dívida pública os enormes recursos obtidos – destinação correta, tecnicamente, mas que se deu num período de explosão da taxa de juros, que terminaram por devorar rapidamente a dinheirama.

ACUSAÇÕES COMO A UM CRIMINOSO – Não é de estranhar, pois, que uma vez mais na atual campanha a privatização tenha virado anátema para os candidatos da oposição, de Serra aos aspirantes a governos estaduais. No debate da Band, Dilma "acusava" Serra de haver participado de privatizações altamente benéficas para o país com o tom de quem ataca um criminoso.
Graças à coragem do senador Aécio Neves, contudo, o tema que o PT conseguiu amaldiçoar durante oito anos voltou ao palco dos debates.
Isso, repito, é muito bom.

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