01 agosto 2009

AS FACES DA CRISE E QUEM LUCRA COM ELA

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 31/07/09

A crise no Senado parece uma daquelas situações realmente sem saída. A cada dia, o quadro se agrava. E não aparece ninguém com uma solução. Ao contrário: o "negociador" de José Sarney (PMDB-AP) é ninguém menos do que Renan Calheiros (PMDB-AL), ele mesmo defenestrado daquela cadeira por um bom par de vícios que marcam a trajetória do aliado e por outros ainda piores. Repete a mesma rotina de quando ele próprio estava na berlinda: ameaças, chantagem, supostos dossiês.

Nenhum Parlamento do mundo é um convento — ou é, mas daqueles do balacobaco. Acontece que o nosso, está dado, excede nos vícios. Submetidos os seus protagonistas à letra da lei, bem poucos passariam pelo crivo. O desejável, evidentemente, é que as instituições e seus representantes sigam em companhia do que está escrito. Mas isso é uma construção, que tem a ver com a educação política das sociedades. Nas mais educadas e, pois, mais exigentes, os representantes do povo são bem mais modestos nas falcatruas.

É evidente que Sarney não inventou a corrupção, o compadrio e o nepotismo no Senado. Também não é seu único beneficiário. Disso todos sabemos. E só por isso, também, ele é um dos homens fortes do PMDB e tinha cacife para ser presidente da Casa. Ou alguém acredita que chegou lá pela terceira vez cavalgando as virtudes? Nada disso! Ninguém, como ele, soube domar tão bem os vícios.

Acontece que o papel de presidente do Senado carrega justamente esta ambigüidade: É PRECISO SER UM DELES PARA SER O PRIMEIRO, MAS SE ESPERA DO PRIMEIRO QUE SEJA MELHOR DO QUE O CONJUNTO DELES. E aí o bicho pegou para o lado do presidente: ele está se revelando pior.

Aqui e ali, todos os senadores praticaram suas transgressões? Pode até ser. Mas ele é uma verdadeira celebração de vícios. No seu caso, aquela minha frase interiorana se revela assustadoramente verdadeira: a cada enxadada, uma minhoca. Parece haver uma escolha verdadeiramente apaixonada por tudo o que está à margem da lei.

Renan Calheiros pretende voltar as baterias contra Arthur Virgílio (AM), líder do PSDB, que se destacou na luta para afastar Sarney da presidência. O senador do Amazonas cometeu transgressões, sim, já admitidas. E não serei eu a lhe passar a mão na cabeça. Que as coisas sigam seu curso. Mas não, nem Renan Calheiros — ou especialmente ele — conseguirá igualar as personagens. Antes e acima de tudo, qualquer que seja o ilícito praticado pelo tucano, isso não desculpa nem justifica a cadeia de irregularidades e suspeições em que está metido o presidente do Senado.

Ao se voltar, de modo explícito e confesso, contra Virgílio, deixando claro tratar-se de uma retaliação, Calheiros evidencia o seu método de fazer política, tendo como Leporello aquele senador cabeludo sem voto — sempre que o vejo na TV, fico tentado a lhe mandar de presente um xampu. Mas volto a Calheiros. Quer dizer que ele descobriu que o tucano é incompatível com a ética só agora? Antes, tudo lhe parecia muito bem. Agora que o outro decidiu levar seu aliado para o Conselho de Ética, então Renan reage, deixando claro qual o seu entendimento de política. É uma espécie de guerra fria, e as armas nucleares são as irregularidades: "Você não expõe as minhas, e eu não exponho as suas. Vamos juntos, apesar das nossas divergências, num pacto contra o povo".

Em países presidencialistas, a despeito da independência entre os Poderes, o presidente da República, mesmo quando impopular e/ou fraco, ainda é uma figura forte, capaz de agregar forças e encaminhar soluções. Luiz Inácio Lula da Silva não é nem fraco nem impopular. Poderia, sim, chamar as lideranças políticas da base aliada para tentar encaminhar uma solução. Mas quê… Sua irresponsabilidade, nesse caso, chega a ser assustadora — e há, aí, um tanto de cálculo também. Sua defesa de Sarney, com considerações de moralidade duvidosa — "Ele não é um homem comum" —, diz muito de quem ele realmente é. Aquele líder operário dos sonhos dos bocós da esquerda é hoje um dos principais beneficiários da política que deu à luz um Sarney. Aos velhos vícios, Lula acrescentou os novos. No fim das contas, ele nunca deu e não dá a menor bola para o Congresso. A coisa que sempre quis é que ele não o atrapalhasse. E pagou alto por isso. Lula acha o Parlamento um "mal desnecessário".

O presidente, ontem, disse um aparente "vire-se" para Sarney. E a fala foi anunciada por toda a imprensa como uma mudança de posição, já que a proximidade com o aliado lhe estaria trazendo algum desgaste. Ouso não exatamente discordar disso, mas relativizar.

Acredito, sim, que, nos setores mais informados, a defesa que o presidente faz de Sarney lhe possa trazer algum prejuízo. Mas ele tem uma reserva imensa de popularidade. Perder alguns pontinhos entre os escolarizados não muda o seu patamar de aprovação. ELE MANTÉM O APOIO A SARNEY E CONTINUA CONTRA A SUA RENÚNCIA.

Lula se tornou Lula fazendo-se um beneficiário de crises. Embora seja o grande sacerdote da zorra que aí está, aguardem pra ver, estará no ano que vem sobre o palanque a pregar moralidade na política, a falar dos desmandos, a defender a decência, os interesses do povo etc e tal. Quanto mais o Parlamento cai no descrédito, mais se consolida como resposta à crise a figura de um demiurgo, que esteja acima de toda essa coisa aí…

Instituições sólidas e respeitáveis nunca interessaram nem nunca vão interessar a um partido como o PT. Ao contrário: ele precisa desse pântano, dessa ética cediça e movediça a conferir verossimilhança para sua pregação moralista em nome do povo. Quando chega ao poder, escala Sarneys, Renans e congêneres como tropa de elite.

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