04 setembro 2009

UM POÇO DE MENTIRAS

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 01/09/09

(ver atualização no fim do texto, feita às 18h27)
Para a história dos discursos, Lula fez um realmente histórico ontem. Na cerimônia — meio acabrunhada para as expectativas que gerou — em que anunciou o envio ao Congresso dos projetos para exploração e regulação do petróleo do pré-sal, decidiu atacar FHC, seu antecessor (ele não pensa em outra coisa), e, à medida que ia argumentando, as inverdades do que dizia iam ficando patentes. Raramente vi uma fala que vai sendo desautorizada por seus próprios termos à medida que vai sendo enunciada. Se Chaves, a personagem do seriado mexicano, estivesse por ali, diria: "Dá zero pra ele!!!"
Antes que prossiga, uma digressão sobre a pajelança em si.
A coisa não saiu exatamente conforme o esperado. Das anunciadas três mil pessoas, deveria haver lá pouco mais de um terço. Os discursos foram protocolarmente aplaudidos. O de Lula, um pouco mais, como é natural. Ao da ministra Dilma Rousseff, seguiu-se aquele entusiasmo burocrático que ela costuma despertar nos ouvintes. Coroando trapalhadas e avaliações apressadas, as ações da Petrobras despencaram — quando o natural, é evidente, é que subissem mesmo diante de um cenário internacional inóspito. Foram alvejadas pelas incertezas do chamado "novo marco regulatório", vendido, o que é cascata, como um grito de independência nacionalista. De volta ao discurso. Leiam primeiro o trecho inteiro. Tentem encontrar contradições na fala. Eu o retomo em seguida, passo a passo.
Uma mudança importante no marco regulatório será a adoção do modelo de partilha de produção no pré-sal e em outras áreas de potencial e características semelhantes. É uma mudança absolutamente necessária e justificada.
Estamos vivendo hoje um cenário totalmente diferente daquele que existia em 1997, quando foi aprovada a Lei 9.478, que acabou com o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo e instituiu o modelo de concessão.
Naquela época, o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa. Vocês devem se lembrar como esse estado de espírito afetou o setor do petróleo no Brasil. Altas personalidades naqueles anos chegaram a dizer que a Petrobras era um dinossauro – mais precisamente, o último dinossauro a ser desmantelado no país. E, se não fosse a forte reação da sociedade, teriam até trocado o nome da empresa. Em vez de Petrobras, com a marca do Brasil no nome, a companhia passaria a ser a Petrobrax – sabe-se lá o que esse xis queria dizer nos planos de alguns exterminadores do futuro.
Foram tempos de pensamento subalterno. O país tinha deixado de acreditar em si mesmo. Na economia, campeava o desalento. O Brasil não conseguia crescer, sofria com altas taxas de juros, de desemprego, e juros estratosféricos, apresentava dívida externa elevadíssima e praticamente não tinha reservas internacionais. Volta e meia quebrava, sendo obrigado a pedir ao FMI ajuda, que chegava sempre acompanhada de um monte de imposições.
Além disso, não produzíamos o petróleo necessário para nosso consumo. Ferida, desestimulada e desorientada, a Petrobras vivia um momento muito difícil. Tinha dificuldades de captação externa e não contava com recursos próprios para bancar os investimentos. Nessa época, é bom lembrar – e a Dilma já falou – o preço do barril do petróleo estava em torno de US$ 19.
Hoje, nós vivemos um quadro é inteiramente diferente. Em primeiro lugar, os países e os povos descobriram na recente crise financeira internacional que, sem regulação e fiscalização do Estado, o deus-mercado é capaz de afundar o mundo num abrir e fechar de olhos. O papel do Estado, como regulador e fiscalizador, voltou, portanto, a ser muito valorizado.
Voltei
E aí? Perceberam alguma coisa? Então vamos ver. De saída, noto que esse discurso não tem cara de ser redigido por Luiz Dulci. Acho que percebo certo sotaque de Franklin Martins: uma paixão contidamente sanguinolenta, quem sabe um tanto vingativa. Adiante, agora num vermelho-e-azul.
Uma mudança importante no marco regulatório será a adoção do modelo de partilha de produção no pré-sal e em outras áreas de potencial e características semelhantes. É uma mudança absolutamente necessária e justificada.
O próprio governo não sabe justificar a mudança do marco regulatório, e volto a essa questão mais abaixo. Mas antecipo: nem necessária nem justificada.
Estamos vivendo hoje um cenário totalmente diferente daquele que existia em 1997, quando foi aprovada a Lei 9.478, que acabou com o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo e instituiu o modelo de concessão.
ATENÇÃO PARA O EVENTO SENSACIONAL DESTA FALA: o Brasil está perto de conquistar a auto-suficiência de petróleo (perto: porque, de fato, ainda não a conquistou). E como isso foi conseguido? Acertou quem afirmou: graças à Lei 9.487, que permitiu que mais empresas entrassem no ramo da exploração. Entenderam o busílis? A situação que o país vive é fruto das decisões tomadas no, than, tchan, tchan, governo FHC. Os petistas não precisam acreditar em mim: acreditem em Lula. O valente trata agora o modelo da partilha como se fosse uma alternativa ao da concessão. Não é! E, em breve, vocês ouvirão o que disse Dilma Rousseff.
Naquela época, o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa. Vocês devem se lembrar como esse estado de espírito afetou o setor do petróleo no Brasil.
É uma bobagem jurássica. Quer dizer que a Petrobras não encontrava petróleo porque estava tristinha? Ademais, é mentira que não encontrasse. O país já caminhava rumo à auto-suficiência. Lula deveria é se ajoelhar todos os dias e reverenciar os "adoradores de mercado", que criaram um dos ciclos mais prósperos da economia mundial de que se tem notícia, o que lhe foi benéfico.
Altas personalidades naqueles anos chegaram a dizer que a Petrobras era um dinossauro – mais precisamente, o último dinossauro a ser desmantelado no país. E, se não fosse a forte reação da sociedade, teriam até trocado o nome da empresa. Em vez de Petrobras, com a marca do Brasil no nome, a companhia passaria a ser a Petrobrax – sabe-se lá o que esse xis queria dizer nos planos de alguns exterminadores do futuro.
Pra começo de conversa, a Petrobras tinha e tem aspectos jurássicos, sim. E é por isso que há uma CPI para investigar alguns de seus procedimentos. O resto é vandalização descabida do passado. Quando fala em "último dinossauro a ser desmantelado", é claro que Lula está fazendo uma referência velada à suposta intenção de vender a Petrobras. ISSO É UMA MENTIRA TOLA, UMA INVENCIONICE. Jamais tucanos ou democratas (então "pefelistas") pensaram no assunto. De resto, falar em "privatização" da Petrobras é uma bobagem porque ela já é, tanto quanto possível, privada. O controle é do governo, mas a maioria das ações está no mercado. Atenção para o que vem.
Foram tempos de pensamento subalterno. O país tinha deixado de acreditar em si mesmo.
Em 1997, e Lula está se referindo a 1997, FHC estava no terceiro ano de um mandato de oito, dividido em dois períodos de quatro. O Plano Real havia entrado para os anais da história dos planos de estabilização no mundo como um exemplo de sucesso. Tanto foi assim que FHC foi reeleito no primeiro turno em 1998, feito que nem Lula alcançou, não é mesmo? O Plano Real só foi possível porque a população acreditava em si mesma.
Na economia, campeava o desalento. O Brasil não conseguia crescer, sofria com altas taxas de juros, de desemprego, e juros estratosféricos, apresentava dívida externa elevadíssima e praticamente não tinha reservas internacionais. Volta e meia quebrava, sendo obrigado a pedir ao FMI ajuda, que chegava sempre acompanhada de um monte de imposições.
Atenção, camaradas: o crescimento médio dos oito anos do governo FHC ficou ACIMA do crescimento da economia mundial; o crescimento médio da economia brasileira nos oito anos do governo Lula ficará abaixo da média mundial. Sim, meus caros: o crescimento não é um valor absoluto. Não faz tempo, Cuba criou o seu próprio índice e anunciou ter crescido 12% — vocês podem imaginar… O crescimento de um país só faz sentido, é óbvio, na comparação com outros países. Mas agora vem o mais formidável tiro no pé do próprio discurso.
Além disso, não produzíamos o petróleo necessário para nosso consumo. Ferida, desestimulada e desorientada, a Petrobras vivia um momento muito difícil. Tinha dificuldades de captação externa e não contava com recursos próprios para bancar os investimentos. Nessa época, é bom lembrar – e a Dilma já falou – o preço do barril do petróleo estava em torno de US$ 19.
Graaande Lula! O preço do barril estava em torno de US$ 19 — e hoje está em US$ 80, depois de ter chegado a US$ 148 (***). Será preciso desenhar ou já deu para entender? Assim como Chávez fez a festa com a elevação do preço do óleo, a Petrobras também foi beneficiada, já que sempre fez seus preços internos com base na cotação internacional. Ou Lula pretendia que o barril a US$ 19 rendesse à empresa o que rende o barril a US$ 80 e já rendeu a mais de US$ 200?
O regime de concessão foi fundamental para o país chegar a este momento — e também para ampliar as certezas sobre o pré-sal, uma vez que as pesquisas antecedem em muito o governo Lula. MAIS: O REGIME DE CONCESSÃO NÃO VAI ACABAR, MESMO QUE O CONGRESSO APROVE O QUE QUER O GOVERNO. Leiam o que disse Dilma no seu discurso:
"[O Brasil] escolheu um marco regulatório baseado no modelo de contrato de partilha para todo o pré-sal e para as áreas estratégicas que venham a ser descobertas, assim consideradas aquelas que possuam baixo risco e elevada rentabilidade. Para as demais áreas e para todas as já concedidas continua em vigor o modelo de concessão. Teremos, portanto, uma versão do modelo misto no Brasil, convivendo contratos de partilha com contratos de concessão.
Está claro, não? O governo deste senhor, que põe o regime de concessões na cota de um país acabrunhado, submetido à ditadura de mercado, também considera que o regime de concessão é o melhor para as áreas que não são do pré-sal. E o petróleo que temos no Brasil até agora não é do pré-sal, ora essa. Aquele regime vai ser mantido, e não apenas em explorações antigas. As que vierem a ser feitas fora do pré-sal continuarão por meio de concessões. Mais uma vez, temos Luiz Inácio Lula da Silva satanizando o antecessor, mas seguindo seus passos.
Uma questão desta importância, está claro, está entregue a chicaneiros do Planalto, empenhados em transformar em palanque temas que são de estado. Não é por acaso que as ações da Petrobras, apresentada como a grande beneficiária do processo, despencaram. Não há nada de errado com o sistema de concessões, é evidente. De resto, a transformação da Petrobras numa espécie de monopolista não deixa de ser, então, a concessão de um monopólio a um empresa que é, em grande parte, privada.
Lula decidiu, então, satanizar o modelo que lhe permite bater no peito e dizer que está em curso uma revolução no país. Pior: o seu discurso reconhece isso. Quanto à deselegância óbvia de atacar o antecessor, mesmo sabendo que havia, entre os presentes, aliados do antigo governo — a começar, diga-se, do atual ministro das Minas e Energia —, dizer o quê? Lula não tem o mínimo rigor com os fatos. Por que teria com a boa educação?
Para encerrar
Na Folha Online, escreveu-se:
"Diante do governador José Serra (São Paulo) e um dos presidenciáveis do PSDB, o presidente Lula afirmou que no governo Fernando Henrique, quando foi cogitada a privatização da Petrobras, o país era refém do sistema financeiro."
O que vai em negrito não é fala do Lula, mas da reportagem. Dá-se como informação objetiva, histórica, o que é uma mentira inventada pelo PT na campanha eleitoral de 2006. Não há registro histórico ou memória de que a privatização da Petrobras tenha sido "cogitada". Pois é. Um dos problemas da moderna política brasileira é que as mentiras do PT são influentes.
(***) Nota acrescentada às 18h27
Havia afirmado que o petróleo rompera a casa dos US$ 200. Isso era apenas previsão, que, felizmente, não se cumpriu. Em 2008, o preço do barril chegou a um máximo (que eu tenha encontrado) de US$ 148. De todo modo, não muda a questão debatida. O salto dos US$ 19 em 1997 para  osUS$ 148 em 2008 — ou para os atuais US$ 80 — é brutal.
Aliás, a questão do preço do barril é importantíssima no debate sobre o pré-sal. Extraír o óleo de lá é muito caro. A depender do preço do barril, a operação é antieconômica. Mais um motivo para Lula tomar cuidado com o que diz.

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