02 janeiro 2010

As consequências indesejadas e o jeitinho brasileiro


via OrdemLivre.org - Artigos de ngiordani em 01/01/10

Três notícias publicadas na Folha de São Paulo no dia 22 de dezembro convergiam para o mesmo problema:
Arrecadação de impostos em novembro avança 26,4% e bate recorde do ano
LORENNA RODRIGUES da Folha Online, em Brasília
A arrecadação federal cresceu 26,39% em novembro na comparação com o mesmo mês do ano passado, de acordo com dados divulgados nesta terça-feira pela Receita Federal. No mês passado foram arrecadados R$ 72,09 bilhões, o maior valor mensal obtido neste ano.
CONTINUA…
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Lula descarta cobrar menos impostos e defende carga tributária alta
CIRILO JUNIOR da Folha Online, no Rio
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta segunda-feira (21) a cobrança de altos impostos, e disse para uma plateia de empresários que não se pode imaginar o país com uma cobrança tributária fraca. Lula alegou que, somente arrecadando, o Estado pode exercer um papel forte como indutor de políticas públicas.
"Não imaginem um país com carga tributária fraca. Não tem país do mundo em que o Estado possa fazer alguma coisa que não tenha uma caga tributária razoável. É só pegar a Europa, Estados Unidos e Japão como exemplo. Só se pode ter bem-estar social porque o Estado tem recursos", afirmou, em evento da Apex (Associação Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), na noite desta segunda-feira.
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Governo define mínimo de R$ 510
da Folha Online
O governo federal fixou em R$ 510 o novo valor do salário mínimo, que passa a vigorar em janeiro de 2010. A decisão será tomada hoje em reunião do presidente Lula com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.
(…)
O mínimo atual é de R$ 465. O novo valor, que será adotado por medida provisória, equivale a reajuste nominal de 9,68%. Há, portanto, concessão de aumento real, estimado em 6%.
CONTINUA…
A maior parte da população não verá qualquer relação entre o aumento da arrecadação de tributos, o nível da carga tributária, o aumento compulsório do salário mínimo e o desemprego. É preciso fazer um esforço didático de divulgação para que a sociedade saiba que quanto mais o governo espolia a riqueza por ela produzida, menos dinheiro cada indivíduo terá no bolso para utilizar da forma que escolher. Também as empresas terão menos dinheiro para:
a) investir no seu crescimento;
b) aumentar o salário dos funcionários;
c) contratar mais empregados.
Esses três resultados, se possibilitados por uma carga tributária menor, teriam impacto significativo na produção de riqueza pelos brasileiros, tirando do governo o dinheiro que financia a concentração de poder, a barganha política, a ineficiência, a corrupção e o que chamo de "capitalismo de Estado": políticos e empresários que enriquecem através do nosso dinheiro espoliado.
O jurista e advogado tributarista Ives Gandra Martins é categórico ao afirmar que a "escorchante carga tributária que o Estado Brasileiro impõe à sociedade brasileira é o principal fator de geração de desemprego. Tira, o Estado, recursos de quem sabe promover desenvolvimento e empregos e passa para o 'Labirinto do Minotauro' governamental, devorador de empresas e incapaz de aplicar bem tal receita em serviços públicos. É um notório gerador de desemprego".
Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária geral da economia em 2008 foi de 36,56% do PIB (R$ 1,056 trilhão em tributos e PIB de R$ 2,889 trilhão). É por essa razão, segundo Gandra Martins, que "a 'performance' da economia brasileira é cada vez mais medíocre, porque a sociedade transfere recursos do segmento que tem vocação para a iniciativa econômica para aquele cuja a vocação é apenas deter o poder a qualquer custo, e não prestar serviços essenciais".
A arrecadação atual, porém, é menor do que a prevista pela legislação tributária. Outro estudo do IBPT mostrou que o nosso sistema tributário foi estruturado para arrecadar 51,48% do Produto Interno Bruto (PIB). Nas contas de Ives Gandra Martins, a carga legal (decorrente da lei, mas que não é recolhida por inadimplência, sonegação, corrupção) seria maior, cerca de 62,5 a 67,5% do PIB.
Entre 1980 e 2008, a carga tributária bruta aumentou 46,12%, ao mesmo tempo em que houve queda no percentual do PIB efetivamente disponível para gastos com bens e serviços, segundo estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em julho de 2009. Um dado preocupante do trabalho é que 15,3%, de uma fatia de 35,8% do PIB, são usados para subsídios ao setor privado e transferências de assistência e previdência.
O estudo informa que a "parcela significativa dos recursos arrecadados pelo governo em cada ano termina sendo prontamente devolvida para a sociedade na forma de transferências públicas (pensões e aposentadorias e outros benefícios previdenciários e assistenciais para idosos e/ou muito pobres e/ou portadores de deficiências) e subsídios ao setor privado (TAPS)". O argumento é ilusório: as transferências públicas legitimam a elevada carga tributária. Desconsidera-se a diferença entre os valores das pensões, aposentadorias e outros benefícios previdenciários de um servidor público federal (um policial rodoviário federal, por exemplo, cujo salário inicial é de R$ 5.620,12) e de um ex-funcionário da iniciativa privada, que, apesar de assumir todos os riscos, ainda é penalizado pelo Estado no cálculo do benefício. Levo em consideração a impossibilidade de acumular riqueza ao fazer uma carreira honesta no funcionalismo público. Na iniciativa privada é possível, tanto quanto falir, ter o salário reduzido ou perder o emprego, por fechamento da empresa ou por demissão, situação praticamente impossível no serviço público.
Um exemplo doméstico: meu avô trabalhou quase 60 anos em empresas privadas (durante alguns anos teve a sua própria) e sempre pagou o valor máximo para a previdência social. Quando se aposentou, recebia pouco mais de R$ 1 mil. Conheço gente que ganha quase R$ 10 mil de aposentadoria pelo Senado (e nunca perdeu um dia de sono temendo pelo desemprego). O Estado é um grande provedor de privilégios para os seus, sejam eles servidores, políticos ou amigos empresários.
A definição do salário mínimo pelo governo é outra arbitrariedade. As economias dos estados brasileiros variam substancialmente (São Paulo é muito mais desenvolvido do que a Bahia, por exemplo), inclusive em unidades federativas da mesma região (no sudeste, São Paulo é muito mais desenvolvido do que o Espírito Santo). Mesmo num estado rico como São Paulo, há cidades mais e menos desenvolvidas. E dentro dessas cidades há empresas mais e menos desenvolvidas.
Um salário mínimo de R$ 510, como agora fixado pelo Governo Federal, tem um impacto x numa empresa de médio porte e x + x numa de grande porte. Numa micro ou pequena o choque é traumático. A receita não acompanha a decisão central e reflete na situação do empregado, que perde a possibilidade de ter seu salário aumentado e ganha a possibilidade de perder o emprego.
David Neumark e William Wascher, no artigo "Minimum Wages And Employment: A Review Of Evidence From The New Minimum Wage Research" mostram que as pesquisas recentes atestam o vínculo entre salário mínimo e desemprego:
Although the wide range of estimates is striking, the oft-stated assertion that the new minimum wage research fails to support the traditional view that the minimum wage reduces the employment of low-wage workers is clearly incorrect. Indeed, in our view, the preponderance of the evidence points to disemployment effects.
(…)
In sum, we view the literature — when read broadly and critically — as largely solidifying the conventional view that minimum wages reduce employment among low-skilled workers, and as suggesting that the low-wage labor market can be reasonably approximated by the neoclassical competitive model."
O trabalho de Neumark e Wascher diz que os efeitos do salário mínimo sobre o emprego no Brasil são pequenos, mas essa constatação é insuficiente porque, segundo os próprios autores admitem, há poucos artigos sobre a situação brasileira disponíveis em inglês.
Os resultados da relação apresentada por Neumark e Wascher são algumas das consequências indesejadas lembrada por James Sherk no texto "O salário mínimo diminui a pobreza?", publicado neste site. Sherk, após lembrar que a participação do salário mínimo no aumento do desemprego é bastante conhecido e estudado, citou pesquisas nas quais se demonstrava outros efeitos do salário mínimo nos Estados Unidos: a redução do nível de educação de adolescentes, redução de ganhos dos trabalhadores e a incapacidade de diminuir a pobreza. "Devido a efeitos não desejados, uma lei pode causar o contrário do que seus defensores pretendiam. Assim é a lei do salário mínimo. Pretende-se diminuir a pobreza, mas isso não acontece. Ao contrário, a lei estimula a saída dos adolescentes da escola e diminui as perspectivas de empregos e ganhos futuros para trabalhadores de baixa renda", escreveu Sherk.
O argumento de Linda Gorman, no ensaio "Minimum Wages" segue o mesmo princípio: as leis que estabelecem o salário mínimo podem definir o salário mínimo, mas não podem criar nem garantir os postos de trabalho.
O salário mínimo guarda outro aspecto negativo: o valor da hora, dia ou mês trabalhado não é definido pela capacidade, talento e mérito, mas pela decisão de um burocrata. Se o representante de um órgão do estado diz que sua hora de trabalho vale R$ 0,70, não adianta mostrar para o empregador que você merece o triplo por sua atuação na empresa. Também não adianta um candidato menos qualificado tentar um acordo com um pequeno empresário para receber menos do que o salário mínimo, porque ambos estarão violando a Constituição Federal:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim
O salário mínimo cria outro problema derivado, apontado há décadas por Milton Friedman: a discriminação contra as pessoas com menor qualificação ou habilidades. Estas não serão contratadas porque o empregador, obrigado a pagar um valor base determinado, preferirá um candidato melhor qualificado. Numa entrevista para uma emissora de TV americana, Friedman também responsabilizou o salário mínimo pelo aumento do desemprego e da pobreza.
A burocracia estatal funciona perfeitamente para não funcionar, ou, para usar a expressão de Sherk, para produzir consequências indesejadas. Se o valor por hora é calculado por baixo para beneficiar os menos qualificados, o que ocorre é que aqueles a quem se quer beneficiar são, na prática, prejudicados ao serem impedidos legalmente de receber menos do que o valor mínimo.
Na adoção do salário mínimo como instrumento social justo está embutido o intuicionismo rawlsiano ("the doctrine that there is an irreducible family of first principles which have to be weighed against one another by asking ourselves which balance, in our considered judgement, is the most just", A Theory of Justice, p. 34). A teoria, desenvolvida por John Rawls em A Theory of Justice, também trata do salário justo, concepção que merece ser contraposta à ideia de salário mínimo. Porque o o merecimento do salário justo é composto de critérios concretos: responsabilidade, talento, esforço, capacitação, além das necessidades objetivas de cada indivíduo. O salário justo é definido mediante a união equilibrada desses critérios. "No one presumably would decide by any one of these precepts alone, and some compromise between them must be struck. The determination of wage by existing institutions also represents, in effect, a particular weighting of theses claims" (A Theory of Justice, p. 35).
O salário justo é uma impossibilidade. Porque os critérios que poderiam ser equilibrados só o seriam se os agentes fossem destituídos de interesses plurais, o que não ocorre. "Those with more ability and education are prone to emphasize the claims of skill and training, whereas those lacking these advantages urge the claim of need" (A Theory of Justice, p. 35). O legítimo interesse individual dos diferentes grupos sociais permite um livre mercado de ganhos de riquezas e de propriedade. A ausência dessa liberdade, baseada em critérios subjetivos de equidade ou justiça social, impede a necessária circulação de elites que oxigena a sociedade e impede que a pobreza seja uma condenação vitalícia.
Os critérios que tornam o salário justo, mas impossível, estão ausentes na concepção do salário mínimo, que é possível, mas injusto. As amarras conceituais são sugadas pelo grande buraco negro da igualdade, que legitima mitos e falácias a respeito do atributo social do salário mínimo.
Quando no ultimo mês do ano o governo federal decide adotar e ratificar medidas convergentes (aumento do salário mínimo e preservação da carga tributária), com alto grau de consequências indesejadas, a informação transmitida à sociedade é temível: alguns dos principais entraves ao desenvolvimento do país serão mantidos. Sem indicações de que os indivíduos e empresas poderão trabalhar sem obstáculos, a sociedade manterá práticas de sobrevivência, algumas delas carinhosamente apelidadas de "jeitinho brasileiro".

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