O voto nas cidades
via VEJA nas Eleições - VEJA.com de Daniel Jelin em 15/10/10
Em Guaribas, Piauí, onde foi lançado o programa Fome Zero, Dilma Rousseff (PT) teve mais de 88% dos votos válidos, contra apenas 8,4% de José Serra (PSDB). Em Marcelândia, Mato Grosso, o tucano ficou com mais de 75% dos votos, contra 22% da petista. A verde Marina Silva não chegou nem a 1% em Trairão e Gurupá, no Pará, mas venceu com mais de 40% em Brasília (DF), Sabará (MG) e Volta Redonda (RJ). Para ilustrar estas variações, geográficas, históricas ou socioeconômicas, VEJA preparou um mapa interativo com o desempenho dos presidenciáveis em todos os municípios desde 1994, filtrados por uma série de indicadores, e conversou com os pesquisadores Rafael Cortez, da consultoria Tendências, e Cesar Zucco, da Universidade Princeton, em Nova Jersey, Estados Unidos. Cortez é cientista político com doutorado pela USP sobre as estratégias dos partidos nas eleições majoritárias. Zucco é professor de política e uma de suas linhas de pesquisa é o estudo dos programas de transferência de renda, com auxílio de métodos estatísticos.
Nos mapas abaixo, em azul estão representados os municípios com vitória do candidato tucano, e em vermelho, onde a vantagem é petista. Quanto mais forte o tom, maior a votação.
Tanto Zucco como Cortez apontam fortes semelhanças entre as eleições de 2006 e 2010. Regra geral, Dilma foi bem onde Lula foi bem; Serra foi bem onde Alckmin foi bem; e até as terceiras vias Marina, em 2010, e Heloísa Helena (PSOL), em 2006, tiveram desempenhos correlacionáveis. As novidades de 2010: uma candidatura governista relativamente mais fraca nas grandes cidades e a expressiva votação da terceira colocada, Marina.
Bolsa Família fez mais por Lula em 2006 do que por Dilma em 2010
O efeito eleitoral do Bolsa Família em 2010 foi menor que em 2006 e é comparável ao dos programas tucanos de transferência de renda em 2002. A constatação é de Zucco. Ele analisou o resultado do primeiro turno em todas as cidades e encontrou uma forte – e previsível – correlação entre os votos para Dilma e o programa de transferência de renda: onde a cobertura do Bolsa Família é maior, maior a vantagem da petista. Para medir seu peso, o pesquisador agrupou os municípios conforme diversos perfis socioeconômicos e observou as variações dentro de cada grupo. Resultado: na média, cada ponto porcentual do Bolsa Família refletiu em 0,13% em favor de Dilma nas urnas.
O pesquisador repetiu a operação para as eleições de 2006 e 2002 e chegou a um favorecimento de 0,20% por ponto porcentual do Bolsa Família para Lula em 2006, quanto foi reeleito; e de 0,11% para Serra em 2002, quando o tucano era o candidato governista – e perdeu. Para esta última correlação, Zucco agrupou dois programas de transferência de renda do governo FHC: o Bolsa Alimentação e o Bolsa Escola, que seriam reunidos, rebatizados e ampliados no governo Lula na forma do Bolsa Família.
O perfil de município em que Dilma saiu-se relativamente pior é o das cidades grandes. Neste grupo, ao contrário de 2006, o efeito Bolsa Família pareceu contido no primeiro turno, o que, Zucco supõe, pode ser creditado à boa votação obtida por Marina – hipótese que poderá ser testada no segundo turno.
Maior a renda, maior a oposição
Cortez estende a forte correlação entre o alcance do Bolsa Família e a vantagem governista para outros recortes de renda e riqueza das cidades: quanto mais pobre o município, quanto maior a cobertura do Bolsa Família, tanto melhor a performance de Dilma. Do contrário, Serra e Marina obtêm melhores resultados. As correlações podem ser observadas nos mapas abaixo, que exibem o desempenho dos presidenciáveis nas cidades de acordo com diversos indicadores: o salário médio, o PIB municipal e o próprio Bolsa Família.
Além da renda, Cortez chama atenção para um segundo divisor de votos: a violência no campo. Ele observa um bom desempenho da candidatura tucana nos municípios onde as taxas de mortalidade são expressivas e associadas a conflitos agrários, como no Centro-Oeste e Norte do país. Cortez credita o mau desempenho de Dilma nessas áreas à proposta que circulou entre setores do PT, e que apareceu no terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, de instalar uma nova instância para arbitrar invasões de terra.
Serra saiu-se melhor em estados do Sul, Centro-Oeste e Norte, além de São Paulo. Dilma venceu em pelo menos um estado de cada região e em todos os do Nordeste. O desenho dos mapas pode sugerir certa polarização de caráter geográfico: um Norte e Nordeste petista e um cinturão Sul/Centro-Oeste tucano. Mas para Zucco ainda não há como dizer tratar-se de uma polarização de petistas versus tucanos ou de governistas versus oposicionistas. Para que as diferentes hipóteses sejam testadas, é necessário analisar o resultado de futuras eleições com uma eventual troca de papel: o PT de volta à oposição, e o PSDB, ao governo.
O melhor desempenho de Marina Silva se deu nas regiões metropolitanas. Cortez cita uma combinação de fatores para explicar a performance. Em primeiro lugar, são cidades de renda e escolaridade mais altas, atributos do eleitor alvo da candidata do PV. Além disso, são regiões sensíveis à agenda verde, uma vez que já convivem com reflexos de certo esgotamento ambiental. Finalmente, Cortez aponta nas franjas das metrópoles a forte presença evangélica, eleitorado sensível à questão que desgastou a candidata petista na reta final da campanha do primeiro turno: o aborto.
0 Comentários:
Postar um comentário
Favor identificar-se.
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial