20 abril 2011

A oposição apelar para a “classe média”?; ainda a controvérsia sobre a proposta de Fernando Henrique…

Por Bolívar Lamounier

Em seu recente texto, Fernando Henrique analisa a presente situação política e econômica brasileira e aponta caminhos para o revigoramento das oposições, em geral, e do PSDB, em particular.

Começo pelo óbvio: se há uma coisa que Fernando Henrique não precisa é ajuda para se defender de eventuais críticas. Seria de um ridículo atroz eu me propor tal tarefa. O que faço neste post são pois observações de meu próprio interesse, motivadas por críticas que venho lendo e ouvindo desde que o mencionado artigo começou a circular.

Em sua quase totalidade, as reações que chegaram ao meu conhecimento concentraram-se num suposto “elitismo” político que FH teria evidenciado na seguinte passagem:

“As oposições se baseiam em partidos não propriamente mobilizadores de massas. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental. Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias”.

Os petistas obviamente se esbaldaram com este parágrafo, como se esbaldariam com qualquer outro em que julgassem ter vislumbrado uma “brecha”.

Lula, por exemplo, fez o seguinte comentário: “Eu sinceramente não sei o que ele [Fernando Henrique] quis dizer. Nós já tivemos políticos que preferiam cheiro de cavalo que o povo. Agora tem um presidente que diz que prefere não ficar atrás do povão, esquecer o povão. Eu sinceramente não sei como é que alguém estuda tanto e depois quer esquecer do povão.”

Não vejo necessidade de comentar o comentário de Lula. Ele é o que haveria de ser, tendo em vista não só o petismo, mas também e sobretudo a mentalidade de Lula e a logorréia habitual em que ele se compraz.

As observações que passo a fazer referem-se a críticos de outro tipo, inclusive a alguns que se auto-identificaram como esquerda.

Um das causas da reação negativa ao texto de Fernando Henrique deve ter sido a referência ao “aparelhamento” do Estado e à cooptação dos sindicatos. No imaginário de esquerda, sindicalistas são gente humilde, avessa a privilégios, combativa e progressista.

Daí a surpresa: no momento, como vimos acima, Fernando Henrique não vê muito proveito em buscar o apoio deles. Incrustadas na estrutura fascio-corporativista que antes amaldiçoavam, as centrais sindicais e o petismo de modo geral assumiram o papel de correias de transmissão do poder como nunca antes se havia visto “nesse” país. Configuraram-se como apêndices do Estado, ou seja, como engrenagens de uma máquina que se vale de recursos públicos para manter um quase monopólio político sobre a classe trabalhadora.

A nova classe média a que Fernando Henrique se referiu inclui milhões de pobres diabos que finalmente conseguiram comprar móveis e eletrodomésticos em 10 ou 12 suaves prestações mensais. Constituem uma fração da “elite”, sem sombra de dúvida. Muito diferentes dos potentados sindicais, gente imaginariamente humilde, muitos dos quais recebem, só a título de jeton por participação em conselhos de estatais, umas quatro ou cinco vezes o salário mensal de minha hipotética elite finalmente mobiliada. Qualquer semelhança com a “nova classe” parasitária estudada por Michels e Djilas não é mera coincidência.

Uma segunda razão da ira contra o texto citado é uma reação epidérmica muito comum entre intelectuais e intelectualóides: só de ouvir a expressão “classe média”, eles avançam contra quem a pronunciou com um ímpeto comparável ao de um touro miúra contra o pano vermelho que o enerva. Não é difícil entender por que.

Para antigos militantes e simpatizantes comunistas, classe média é o mesmo que a “pequena-burguesia” de outros tempos: aquela camada desprezível que deveria ter minguado com o avanço do capitalismo, e não se expandido, como vem ocorrendo nos países emergentes, Brasil inclusive.

Para outros, ela representa o “moralismo”, o “lacerdismo”, o “golpismo de direita”. Seria útil e creio que até divertido distinguir na história recente da América Latina os personagens políticos vistos como uma encarnação desse estereótipo de uma classe média moralista dos que nunca foram categorizados dessa maneira.

Carlos Lacerda é o ícone do primeiro caso: a personificação por assim dizer platônica da classe média direitista. Isto não obstante ele tenha antes pertencido ao Partido Comunista, cujo líder máximo, à época, era Luís Carlos Prestes, proveniente da média oficialidade militar, mas nunca tido como “classe média”. Mas dado que proletário ele também não foi, o mencionado imaginário esquerdista o deixa solto no ar, pairando acima das classes.

Fidel Castro formou-se em Direito; Che Guevara era médico; Lenin, filho de um inspetor escolar, pertencia ao que inglês se designaria como gentry, uma pequena nobreza; Trotsky, filho de um agricultor pobre, de origem judaica, chegou à universidade. Todos “proletários” ou acima das classes, obviamente.

Voltemos à “nova classe média” brasileira. Pelo critério mais utilizado em sua delimitação, estamos falando de indivíduos compreendidos no intervalo entre 1.115 e 4.800 reais de renda familiar mensal, o que equivale a pelo menos 40% da população total do país. Da metade desse intervalo para baixo, é óbvio que não se teria verificado expansão alguma sem o crediário.

Mas em essência, ideologicamente, o que será essa nova classe média: tucana ou petista?

Ora, nem uma coisa, nem outra. Como tudo na vida política, ela é um terreno contestado. Sua inclinação depende da agenda, ou seja, das questões prioritárias e relevantes em cada momento. Basta lembrar que ela contribuiu maciçamente para as vitórias de Fernando Henrique em 1994 e 1998 e para as de Lula em 2002 e 2006. Grosso modo, podemos dizer que ela quis primeiro o controle da inflação e em seguida, com a estabilidade monetária assegurada, uma ênfase maior em políticas sociais.

Pelo menos na metade inferior do mencionado intervalo, é óbvio que estamos falando de “povão”, mas com duas diferenças principais em relação ao “povão” que povoa a cabeça do Lula. Primeiro, não é um povão enquadrado nos aparelhos sindicais e petistas. É gente relativamente livre de controles políticos e muito pouco interessado nas querelas ideológicas que tempos atrás separavam os campos político-partidários.

Segundo, é gente que batalha por ascensão profissional, ou simplesmente por empregos ou chances de se estabelecer como micro-empresários. São famílias empenhadas em dar aos filhos uma educação melhor que a sua própria. Um povão, portanto, que quer “subir na vida” e que se mostra relativamente satisfeito em poder consumir o que todo mundo nos estratos acima consome.

Consumir: que horror, não? Ter os mesmos direitos, fazer o que todo mundo faz, sem dar satisfação a ninguém? E a oposição, dando atenção a essa gente? Deve ser o fim do mundo.

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