04 setembro 2009

O PRÉ-SAL JÁ SE CHAMOU “BIOCOMBUSTÍVEIS”. A CASCATA É A MESMA. E EU PROVO

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 01/09/09

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O post acabou ficando longo, mas vale por uma verdadeira iluminação da consciência e do debate. Transcrevo, abaixo, o verbete "Biocombustíveis", do fantástico "Dicionário Lula" (Nova Fronteira), organizado pelo jornalista Ali Kamel. Seu subtítulo não poderia ser mais preciso: "Um presidente exposto por suas próprias palavras". Ora, o que é essencialmente um dicionário?
É uma obra de referência. Já tive um amigo que lia dicionários a eito, palavra que a gente usava muito no interior: "carpir ou colher café a eito" — um pé após outro, em fileira. Esse meu amigo dizia que os dicionários eram a sua coleção de mini-romances, cada palavra com sua história. "Nenhuma imaginação é superior a isso", afirmava. Bem, ele era uma adorável exceção. Um ótimo dicionário se revela quando você precisa dele.
Pensei cá com os meus botões: tudo o que Lula diz agora sobre o pré-sal, ele já disse sobre os biocombustíveis, tenho certeza. E lá fui eu para o "Dicionário Lula", de Kamel. De fato, está tudo lá. E Isso demonstra que este livro é um verdadeiro documento, uma obra obrigatória. Até porque o autor vê Lula sem qualquer preconceito ou idéia preconcebida: é Lula por Lula. E Lula por Lula revela um modo de fazer política.
Lendo o dicionário, quem nos faz desconfiar do que diz o presidente sobre o pré-sal não é Kamel, mas o próprio presidente. E desconfiamos justamente em razão de tudo o que ele já afirmou sobre os biocombustíveis. O discurso é rigorosamente o mesmo. Só o elemento milagroso é outro.
Lula se parece mesmo com um desses milagreiros dessas igrejas neopentecostais mais novas do que o uísque que bebo — e as sérias não se ofendam: lá, eles praticam uma penca de milagres por culto. Lula nos oferece motivos novos de redenção a cada discurso.  Divirtam-se com o que segue. O que estiver em preto e vermelho pertence ao dicionário. As observações em azul são minhas.
*
Biocombustíveis
Todos sabemos que os biocombustíveis poluem menos e, por serem provenientes de fontes renováveis, não geram os danos ambientais decorrentes das atividades extrativistas. Caso não tivéssemos uma legislação consistente e uma política ambiental estruturada e eficiente, poderíamos estar correndo o risco de transformar nossa aposta nos biocombustíveis em um incentivo para a expansão irresponsável e desordenada da agricultura sobre nossas áreas nativas. Felizmente, não é isso que ocorre.
(30/8/06, Brasília – DF. I Encontro Nacional
Lula hostilizava, então, a chamada cultura do petróleo, que estaria em decadência. A novidade estava com os biocombustíveis do Brasil.
… é uma paixão do Governo Lula:
Posso dizer para vocês que a paixão pelos biocombustíveis é de tal magnitude dentro do Governo, que teria bem uns dez ministros preparados para vir aqui e passar horas e horas debatendo com vocês. Esse, na verdade, não é mais um biocombustível, é uma paixão governamental, empresarial, da agricultura e, sobretudo, do povo trabalhador deste país, porque o programa, além da magnitude do biocombustível, tem a magnitude da biocidadania e de tantas outras bios que a gente vai criando pelo Brasil afora.
(30/8/06, Brasília – DF. Op. cit.)
Como se nota, ele próprio confessa que pode criar "bios" em cascata. Depois da "biocidadania", temos, agora, a "petrocidadania". Notem que o tom era o mesmo: o biocombustível viria nos libertar; agora, o libertador é o petroleo do pré-sal.
… desempenha um papel social:
Quanto ao aspecto social dos biocombustíveis, é importante sempre lembrarmos que mais de 200 mil agricultores familiares estão integrados, com possibilidade de trabalharem em função dos leilões que fizemos para produzir, já em 2007, o que estava previsto produzir apenas em 2008, que são 840 milhões de litros de biocombustíveis. E esses números, graças aos compromissos assumidos pelas empresas que participaram dos leilões e ofertas futuras, poderão chegar, até o final do próximo ano, a 250 mil trabalhadores já envolvidos no biodiesel. Estou falando de pessoas simples, assentados da reforma agrária ou pequenos sitiantes, que pela primeira vez na vida participam diretamente do nosso processo de desenvolvimento.
(30/8/06, Brasília – DF. Op. cit.)
O grande gerador de empregos, agora, passa a ser o petróleo, com a indústria que um dia se fará para a extração do óleo, que Lula espera que seja toda nacional, é claro.
… tem importância estratégica:
 Quando nós estamos discutindo, aqui, na sede nacional das indústrias brasileiras, sobre biocombustíveis, eu fico imaginando que a gente está discutindo a soberania nacional, a gente está discutindo a definição do Brasil que nós queremos para o século XXI, nós estamos discutindo qual o papel que o Brasil vai ter neste mundo globalizado.
(30/8/06, Brasília –DF. Op. cit.)
Dispensa comentário, não? A "soberania nacional" foi um dos eixos do discurso de Lula no discurso de ontem.
… transformará países pobres em ricos:
Não vai demorar 20 anos para que os biocombustíveis sejam uma nova revolução na matriz energética do planeta e motivo para que os países que foram pobres no século XX se transformem em países prósperos no século XXI.
(23/5/07, Brasília – DF. Entrega do prêmio Parceiros do Desenvolvimento às empresas que contribuíram para o desenvolvimento do país em 2006)
Olhem aí: a matriz energética era o petróleo, mudou para os biocombustíveis e voltou a ser o petróleo. Será tanto dinheiro que Lula já está definindo como ele deve ser gasto.
… fará o mundo se curvar:
 Eu estou convencido de que será inexorável: o mundo vai se curvar à questão do biodiesel. É apenas uma questão de tempo e vai depender da gente ficar batendo, não aceitarmos  o argumento de que os biocombustíveis vão ocupar a área de alimentos, não aceitarmos o argumento de que os biocombustíveis vão ocupar a Amazônia, não aceitarmos nenhum argumento que não seja o argumento de que nós patenteamos um combustível que eles não patentearam e, portanto, nós queremos colocar esse biocombustível no mercado internacional, para que eles cumpram aquilo que foi assinado no Protocolo de Quioto. (28/6/07, Brasília – DF. Lançamento do Plano Agrícola e Pecuário).
Ou bem o mundo se curva aos biocombustíveis, e é bom a gente ver com cuidado o que vai fazer com o pré-sal, ou bem não se curva, e aquela conversa toda era papo-furado.  
… despoluirá o planeta Terra:
Quero dizer ao presidente Durão Barroso [presidente da União Europeia] que foi extremamente positiva essa discussão sobre biocombustíveis. Essa é uma discussão extremamente necessária, que tem que ser feita com muita responsabilidade para que possamos, daqui a algum tempo, dar uma resposta ao mundo de como vamos fazer para despoluir o planeta Terra.
(5/7/07, Bruxelas – Bélgica. Entrevista à imprensa após assinatura de atos)
Acho que, agora, optamos por poluir o "planeta Terra"…
… provoca resistência contra o Brasil, que é imbatível no setor:
 É importante lembrar que quando um país é insignificante, do ponto de vista da sua balança comercial, que não coloque em risco nenhuma grande economia, ninguém se incomoda. Mas quando um país passa a ser competitivo com as grandes potências do mundo, em vários produtos, começa a ser vítima de ataques. É o que está acontecendo agora na área dos biocombustíveis. Todo mundo sabe que o Brasil será invencível nessa disputa, porque temos terras, temos água, temos conhecimento, temos tecnologia e porque temos 30 anos de acúmulo de conhecimento. Portanto, nós somos imbatíveis.
(20/3/08, Foz do Iguaçu – PR. Entrega dos contratos de cessão de uso de águas públicas para aquicultura, assinatura do termo de cooperação entre a Petrobras e os estados de Mato Grosso do Sul e do Paraná para a construção do alcoolduto Campo Grande)
Arrogância habitual. O mundo resistiria aos biocombustíveis com medo do Brasil. Agora, o nosso pré-sal desperta a cobiça, tanto que Lula quer limitar a participação de empresas estrangeiras no pré-sal. Segundo o Planalto, até a Quarta Frota americana, no Atlântico, ameaça as nossas riquezas…
… sofre ataques injustos:
 As pessoas começaram, então, a dizer que o problema da crise do alimento se deve ao fato de que o Brasil produz muita cana e está produzindo o biodiesel, e que, portanto, nós somos o "patinho feio" da história. O que é engraçado é que essas pessoas que estão criticando os biocombustíveis, e que estão preocupadas com o preço do alimento, nunca fizeram uma crítica ao preço do petróleo, que salta de 30 para 120 dólares. Nunca fizeram uma crítica! Nunca reconheceram publicamente o quanto implica, no custo do alimento, o aumento do preço do petróleo; quanto implica na produção de fertilizantes o aumento do petróleo e o aumento do gás. E tentam, com uma transferência muito simplista, fazer um debate com o qual nós não deveremos nos preocupar, porque esse debate nós ganhamos. Ganhamos economicamente, ganhamos tecnologicamente, e vamos ganhar politicamente.
(23/4/08, Brasília – DF. Comemoração do 35.º aniversário da Empresa Brasileira de Pesquisa gropecuária – Embrapa)
Se um dia o Brasil conseguir tirar petróleo do pré-sal na quantidade anunciada, vai ver o país vai lute para dar um tombo nos preços e, assim, baratear o custo da comida, né??? Seremos o primeiro grande produtor de petróleo a lutar para vendê-lo mais barato a cada dia.
… é um erro, quando é feito de milho, como nos Estados Unidos:
 Na verdade, na política de biocombustíveis só tem um equívoco, que é a decisão americana de produzir álcool do milho.
(19/4/08, Acra – Gana. Assinatura de atos)
Lula sabe o que melhor para nós e para os outros.
… não vai repetir os erros do ProÁlcool:
A introdução do biodiesel e dos biocombustíveis no Brasil como política energética passa por não permitir que nós cometamos os erros que cometemos em 1975, no caso do ProÁlcool. Nós vamos construir a coisa certa, cumprindo a nossa função de uma nova matriz energética, cumprindo a nossa função de gerar crescimento econômico para este país, cumprindo a nossa função de gerar riquezas, gerar renda e gerar justiça social.
(30/8/06, Brasília – DF. Op. cit.)
Também não vai repetir os erros de outros países, que se encantaram com o petróleo, inundaram-se de dólares e quebraram a indústria.
… é resultado de um consenso nacional:
Grande parte do sucesso do Programa Nacional do Biodiesel se deu, justamente, pelo fato de ele ter sido elaborado com a participação de empresários, de trabalhadores, de pesquisadores e cientistas. Mesmo se considerarmos apenas o Governo federal, o fato de 12 ministérios participarem do programa mostra a nossa determinação em tratar o biodiesel com o maior número possível de pontos de vista.
(30/8/06, Brasília – DF. Op. cit.)
O "consenso nacional", agora, é o pré-sal.
Este é Lula. Critiquei muito o deslumbramento com os biocombustíveis e o oba-oba de certa imprensa. Sei o quanto apanhei. Desta vez, o simancol jornalístico parece estar um tanto mais ativo. Vamos ver.

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