15 maio 2011

Eles odeiam é a civilização!

Por Reinaldo Azevedo

Escrevi ontem um post post sobre o livro didático de língua portuguesa “Por Uma Vida Melhor” — não, não é a 539ª obra de Gabriel Chalita. Como ficou evidenciado, trata-se de um repto contra a norma culta. Seus autores sustentam que “é importante que o falante de português domine as duas variantes e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala”. Uma das variantes é o “erro”. Assim, tem-se que, para esses valentes, há situações em que ele é preferível ao acerto. Só se esqueceram de considerar que, afinal de contas, cada usuário da língua pode errar à sua maneira.

Alguns bobalhões, achando que sou do tipo que se intimida com o fácil falar difícil, vêm me “informar” — vontade de gargalhar! — sobre os modernos estudos da “sociolingüística” (a minha ainda com trema), que eu teria ignorado no meu comentário. Essa gente vive na bolha de plástico de certos grupelhos universitários e está convicta de que, de fato, conhece o mundo. Quem não partilha de sua mesma loucura estaria desinformado. Qual é, manés? Conheço muito bem esse debate. Não tentem misturar as estações.

Uma coisa é entender por que a fala “inculta” do povo — e ninguém, com efeito, se expressa perseguido por um manual de gramática — é eficiente, funciona, comunica; outra, diferente, é sugerir que as variantes são só uma questão de escolha e que a norma culta é uma imposição do preconceito lingüístico, determinado — não se fala o nome, mas está subjacente — pela luta de classes. Trata-se de uma tolice, de uma falsa questão.

Um certo Jair afirma: “O autor [eu!!!] deveria, antes de sair enaltecendo a norma culta, perceber quantas vezes deixa de dizer os ’s’ nos plurais ou os ‘r’ nos verbos no infinitivo, para ver como funciona isso de ‘falar errado’. Mais: preconceito deste tipo é, para mim, tão detestável quanto o racial ou o de gênero.” Coitado do Jair — ou coitados dos alunos do Jair! Ele não entendeu nada! Eu exalto, sim, a norma culta como uma necessidade… normativa, se me permitem a tautologia. Ninguém defende que o sujeito tenha cassados seus direitos constitucionais por falar ou escrever errado.

A questão não diz respeito a direitos, energúmenos!, mas a oportunidades. Em qualquer lugar do mundo — Brasil, Cuba ou Suécia —, o pleno domínio da língua oficial acaba selecionando pessoas para determinadas atividades. Vale até para a China, que tem o mandarim como o idioma da administração do estado. Assegurar aos estudantes — que já falam e escrevem segundo os ditames de seus próprios erros e pautados por ignorâncias específicas — que os níveis de linguagem são equivalentes e que se está diante de uma questão de escolha corresponde a uma mentira, que será desmentida pela vida. Ocupar uma única aula que seja com esta bobagem, em vez de lhe ensinar análise sintática, constitui um crime contra a educação.

A quem interessa esse debate sobre preconceito lingüístico, níveis de linguagem, eficiência da comunicação e afins? Aos estudantes? Não! Isso é, e deve ser, preocupação de especialistas, inclusive os do ensino. Se um professor consegue identificar os erros mais freqüentes de seus alunos — tendo a norma culta como referência —, se consegue caracterizá-los, entender a sua natureza, então se torna certamente mais fácil ensinar a, vá lá, língua oficial.

O país vive um fenômeno terrível. A escola era um privilégio, expressão óbvia da injustiça social, o que condenava o país ao atraso. Era para poucos, mas, sabe-se, eficiente naquele pequeno universo. A necessária massificação trouxe consigo a perda da qualidade. Uma escola universalizada é necessariamente ruim? Não! Mas, para ser boa, precisa operar com critérios muito rígidos de seleção de mão-de-obra e de avaliação de desempenho dos professores — além, obviamente, de contar com infra-estrutura adequada. Não temos nada disso.

A “democratização” do ensino só faz sentido e só será útil aos mais pobres se estes puderem ter acesso aos códigos da cultura que ditam as escolhas relevantes que se fazem no país. Ninguém nega que os milhões de brasileiros que se apropriam da língua à sua maneira sabem se comunicar e até descobrem modos muito criativos de fazê-lo. Mais: sabem os especialistas que a mais errada expressão de uma língua conserva intocada a sua estrutura profunda. Mesmo o discurso dos loucos obedece a certas regras. Levar esse debate à sala de aula é uma tolice, uma perda de tempo, uma estupidez.

Uma das marcas históricas do Brasil é a unidade lingüística — e sempre soubemos lidar bastante bem com as diferenças, sem que prosélitos tenham de transformá-las numa teoria do poder. Ainda hoje, quando especialistas mundo afora pensam as condições objetivas dos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), essa unidade distingue positivamente o nosso país. Ah, não se de depender dos autores do livro “Por Uma Vida Melhor”. Para eles, o ensino da língua portuguesa se confunde com uma imposição de classe.

Não deveríamos estar expostos a essa picaretagem, mas estamos. Chegamos a esse debate miserável depois de três décadas de militância ativa do petismo nas universidades e nas escolas. Já escrevi aqui outro dia e reitero: nem se pode dizer que foi o velho marxismo que fez isso com a inteligência brasileira. Essa boçalidade, acreditem, nem mesmo marxista é. O antigo comunismo conjugava com a sua vocação homicida a crença num novo homem, que desfrutaria dos bens da civilização quando se libertasse da opressão dos burgueses e aristocratas. Essa gente que hoje dá as cartas na educação tem um ódio muito mais perverso e devastador do que o ódio de classe: ela odeia é a civilização propriamente dita..

Para essa canalha, o homem se perdeu definitivamente quando passou a andar com a coluna ereta. A partir daquele momento, estava destinado a devastar a natureza e a criar normas, inclusive as da linguagem, que só serviriam à opressão.

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