29 agosto 2009

PALOCCI, FRANCENILDO E O SUPREMO - O QUE EU PENSO

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 28/08/09

Estou muito impressionado! Acho que estamos, de fato, diante de uma manifestação, tênue por enquanto, do Mal Absoluto. Por que digo isso? Uma verdadeira corrente resolveu invadir o blog com questões mais ou menos assim: "Aí, hein? Vai defender o Gilmar Mendes agora?" E, curiosamente, os que fazem essa pergunta se mostram favoráveis a… Antonio Palocci! Entenderam? Nem eu! Que eu tenha acompanhado, Mendes formulou um voto consistente, sólido, pela não-admissibilidade do processo contra Palocci e Marcelo Netto, afirmando que a quebra do sigilo de Francenildo Costa estava, sim, caracterizada e que só Jorge Mattoso deve responder por isso, com o processo devidamente remetido à primeira instância. Vale dizer: nesse particular, Mendes deu o voto que os petralhas gostariam que ele desse, que os petistas gostariam que ele desse. Se eu pensasse com a cabeça dessa alimárias, concluiria logo: "Se o voto interessa ao PT, então Mendes está a serviço do PT". É assim que essa gentalha raciocina.
A despeito do voto, os petralhas continuam a tratar o ministro com desdém e me propõem um desafio: "Defenda o Gilmar Mendes agora". Posso até defendê-lo, sim. Mas por que eles o estão atacando agora? Se Mendes precisasse da minha defesa, ele a teria. Continuo a admirar o seu trabalho; continuo a considerá-lo um homem corajoso, desassombrado — até o voto de hoje corrobora esta minha avaliação. MAS NÃO, NÃO ME ALINHO COM ELE DESTA VEZ. Discordo do seu voto. Acho que os canais se misturaram na sessão desta quinta. E que fique claro: assim como o ministro não tem a obrigação de gostar de todo texto que escrevo, não tenho a obrigação de concordar com todo voto que ele profere, ora essa. Hoje, a minha discordância foi radical e só fez aumentar com a exposição do voto. Vamos ver.
DEFESA DESCARACTERIZADA
Noto que as teses da defesa foram amplamente descaracterizadas mesmo pelos ministros que rejeitaram o acolhimento da denúncia. Os três advogados tentaram convencer o tribunal de que não havia criminosos no processo nem crime. Assim, vejam só, nem mesmo a quebra de sigilo bancário de Francenildo teria havido. Jorge Mattoso, ao mandar tirar o extrato da conta, cumpria a sua obrigação, já que havia o boato de que o caseiro movimentara um dinheiro superior à sua condição financeira. O ato seria, assim, uma obrigação. Igualmente estaria obrigado a entregar o material a seu superior.
Mendes, no que foi seguido integralmente por Eros Grau, Lewandowski e Ellen Gracie desmoralizou a tese: houve quebra de sigilo, sim; houve crime, sim. Mas não teria ficado caracterizada, entendeu o relator, a responsabilidade de Palocci e de Marcelo Netto. Teria restado evidente a de Mattoso. Segundo Mendes, Palocci não era o detentor daquele sigilo e, pois, não poderia tê-lo quebrado. A tese de Peluzo foi um tanto diferente: embora tenha dado a entender que Palocci também era guardião do sigilo; que ele era, obviamente, o principal interessado na divulgação naqueles dados, não viu indícios suficientes de que ele estivesse envolvido na quebra do sigilo e na divulgação dos dados, no que concordava com os outros quatro.
E é neste ponto que a minha divergência é radical. O EVENTO DE ONTEM NÃO ERA UM JULGAMENTO. Pareceu-me que os cinco ministros estavam a exigir um tipo de prova que, se apresentada, já significaria uma condenação antecipada dos acusados. Escrevi isso enquanto o julgamento se dava e, depois, ouvi a argumentação na boca de Celso de Mello, o que me deixou muito satisfeito. Nesta fase, bastam indícios convincentes. E, bem, eu acho que eles existem aos montes.
Ainda que não houvesse todos os elementos que, entendo, há e caracterizam o concurso do crime, existe o testemunho de uma jornalista, Helena Chagas, que agora trabalha na TV oficial, segundo o qual o próprio ex-ministro a procurou solicitando informações sobre Francenildo. O jardineiro de Helena teria informações sobre a situação financeira especial do caseiro. Assim, resta evidente que o ministro estava interessado na conta bancária de um certo Francenildo.
Adiante. Quando Mattoso passou a funcionários da Caixa o pedido do extrato, não o fez com o número da conta. Nada disso! Passou o nome e do CPF. A tese de que averiguar movimentação irregular em conta é dever funcional de um presidente de banco é de um ridículo sem fim. Por quantos outros Francenildos aquela gente se interessava? Isso significa que se tem a prova provada de que Palocci participou do conluio que resultou no crime? Prova provada, claro, ainda não é. Mas o indício é forte, é robusto. Mais: segundo a PF, a cópia do extrato que foi parar numa revista é a mesma que foi entregue por Mattoso a Palocci. Nessa fase, basta! É claro que a simples instauração de um processo criminal já é uma espécie de pena. Mas assim é, convenham, quando as pessoas envolvidas não têm qualquer vínculo com o crime. É o que se pode dizer os três? Ora…
O que se esperava nessa fase do processo? Um ato de ofício? Uma prova inquestionável? Entendo que é uma exigência descabida. Assim, alinho-me com os quatro ministros — Carmen Lúcia, Ayres Britto, Marco Aurélio e Celso de Mello — que entendem que os indícios eram suficientes, sim.
DEFESA ALÉM DAS SANDÁLIAS
Ainda sobre a defesa, endosso uma crítica clara feita pelo ministro Marco Aurélio aos senhores advogados de defesa, que tentaram transformar a acusação contra o trio em coisa da oposição, interessada em desestabilizar o governo. Lamento! Não me parece uma defesa, mas uma facilitário boboca. Mattoso pediu a cópia do extrato e a passou a Palocci. E os dados ganharam o mundo. As oposições não inventaram esse crime.
OS VOTOS PELA ADMISSIBILIDADE
Os votos pela admissibilidade consideraram, como considero, que havia indícios suficientes para admitir o processo. Mas chamo a atenção para observações de dois dos ministros, Ayres Britto e Marco Aurélio.
- NÃO, SENHORES, O SR. JORGE MATTOSO NÃO TINHA AUTORIDADE PARA FAZER O QUE FEZ!;
- NÃO, SENHORES, O SR. ANTONIO PALOCCI NÃO TINHA AUTORIDADE PARA RECEBER AQUELAS INFORMAÇÕES;
- NÃO, SENHORES, O SR. MATTOSO NÃO ESTAVA OBRIGADO A PASSAR EXTRATO NENHUM A PALOCCI, AINDA QUE ESTE PEDISSE.
Se, como alegava a defesa, havia indícios de movimentação suspeita do caseiro, há meios eletrônicos para passar a informação ao Coaf. Tirar extrato depois do encerramento do expediente e passá-lo ao chefe? Aí, não dá!
"MAS ERA O BASTANTE PARA CONDENÁ-LOS?" Ora, quem está falando em condenação? Era o bastante para admitir o processo.
Fiz ontem um texto bastante irônico sobre o fato de que o PT, o partido dito dos trabalhadores, enfrentava um pobre caseiro num tribunal. E brinquei: quem gosta de "pobrismo" não sou eu. Quem gosta de pobrismo é o PT. Uma questão inegável foi devidamente destacada ontem por Ayres Britto e Marco Aurélio: o embate entre o trio envolvido na quebra do sigilo e o caseiro foi, sim, o embate entre um homem comum, quase sem instrução, e figuras graduadas do estado brasileiro.
Nada a ver com o pobrismo; nada a ver com a suposta santidade natural dos humildes; nada a ver com desempatar sempre a favor do oprimido. O fato é que máquina formidável do estado e do governo foi mobilizada contra quem mal sabe se orientar no universo legal. Isso é inegável. Mais ainda: o ministro Ayres Britto, de quem costumo divergir, lembrou com propriedade que se partiu do princípio de que um caseiro só poderia dizer coisas como aquela se movido por interesses subalternos. Será que as pessoas só conseguem se indignar a partir de certo nível de renda? Ora, não se esqueçam de que Francenildo chegou a ser processado por lavagem de dinheiro, o que é uma piada grotesca nesse conjunto.
Acho que os princípios em nome dos quais votaram os cinco ministros que rejeitaram a admissibilidade do processo são, em si, bons. Só que são bons princípios fora do lugar. Deveriam ser evocados, tudo o mais constante, em outra fase do processo — quando houvesse um.
Da forma como ficamos, estamos diante de um caro raro: três pessoas, e apenas três, estão envolvidas num crime que a Suprema Corte reconhece ter acontecido. Mas se autoriza a eventual abertura de processo apenas contra um subordinado, quando o óbvio beneficiário era o chefe.
Não sou, já escrevi aqui, favorável à tese do "cui prodest?" (a quem interessa?), ou seja: basta ver a quem o crime interessa para que se chegue ao criminoso. Mas me parece especioso que se volte a mira justamente àquele a quem o crime não interessava.

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