05 setembro 2009

TOFFOLI, HARRIET MIERS E A CIVILIZAÇÃO DEMOCRÁTICA

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 04/09/09

Indicada para a Suprema Corte nos EUA, Miers tinha um currículo dourado. Mas tinha uma pecado de origem: havia sido advogada de Bush. Ele teve de retirar a indicação; consultora da Casa Branca, ela pediu demissão.
Indicada para a Suprema Corte nos EUA, Harriet Miers tinha um currículo dourado. Mas tinha um pecado de origem: havia sido advogada de Bush. Ele teve de retirar a indicação; consultora da Casa Branca, ela pediu demissão.
Os amigos de José Antônio Dias Toffoli, advogado-geral da União e possível indicado de Lula para uma vaga no STF, aberta com a morte de Menezes Direito, estão querendo fazer joguinhos infantis, tentando demonstrar que superestimo dois concursos para juiz em que ele foi reprovado, quando ainda era um garotão de 27, 28 anos. Hoje, tem 42. Não tentou mais ser juiz. Fez carreira como advogado do PT e de Luiz Inácio Lula da Silva. Já disse: seria a primeira vez na história do Supremo em que um presidente indica o seu próprio advogado para o tribunal. Já volto aqui.
Há uma fantasia vagabunda segundo a qual o Brasil, hoje em dia, é exemplo para o mundo. Em má situação estariam, por exemplo, os EUA. Eles, sim, não sabem como sair da crise. No Bananão, como diria Marilena Chaui, temos Lula para iluminar o debate. Um dia a crise americana acaba, é claro — também lá há sinais de melhora —, e vamos encontrar um país que manda os seus bandidos para a cadeia. Por aqui, já escrevi, costumamos mandar os nossos para o poder.
Aquela idéia que já se prestou ao ufanismo cretino de que somos um país rico com um povo pobre não é de todo infundada. O Brasil chegou ao século 19 como a maior economia das Américas. Entre 1800 e 1900, seu PIB passou a ser um décimo do PIB dos EUA. Criamos, ao longo do tempo, instituições ruins. Elas nos empobrecem ou tornam nossas vantagens irrelevantes. A Economist desta semana fala da possível riqueza do pré-sal. E demonstra como ela está sendo engolfada pelo estatismo mais primitivo. Qual Estado? Um Estado essencialmente corrupto. Temos uma história. Vamos ver se temos também um destino.
Agora volto lá ao primeiro parágrafo. A conversa é de gente grande. Superestimar concursos? Não sejam estúpidos! Lembram-se de George W. Bush? Sim, aquele, o odiado das gentes. Em 2007, o então presidente dos EUA indicou Harriet Miers, 60 anos, para a Suprema Corte. Ela não era, assim, um Toffoli, reprovado em dois concursos. Formada em matemática e direito, era conselheira jurídica da Casa Branca, chefiava um escritório de advocacia de 400 pessoas e era tida como uma das profissionais mais influentes do país em sua área. Só que havia um problema: em 1994, enquanto Toffoli era advogado de Lula aqui, Harriet era advogada de Bush, então governador do Texas. A grita nos EUA foi tal, que o presidente americano foi obrigado a retirar a sua indicação. Como as coisas por lá funcionam de outro modo, Harriet pediu demissão. A imprensa não perdoou: considerou simplesmente inaceitável, embora não fosse ilegal, que uma ex-advogada do presidente fosse parar na Suprema Corte.
No Brasil, Toffoli segue sendo o favorito para a vaga do Supremo? Claro que sim! É possível que já esteja até indicado, aguardando só o momento. Que fique bem claro: não escrevi o texto sobre as suas duas reprovações em concurso e sobre seus vínculos com Lula na esperança de impedir a sua nomeação ou coisa parecida. Para tanto, eu teria de supor que formação intelectual, para o presidente, é critério influente. E que a questão ética é critério excludente. Nem uma coisa nem, muito menos!, outra. Eu até sou bonzinho com Lula: é claro que ele não quer Toffoli porque o currículo do indicado é fraco. Ele o quer porque fraca é a ética que os põe em relação transitiva. Não temos o país que impediu Bush de nomear a competentíssima Harriet. Temos o país que permite a Lula nomear Toffoli. Por isso eles prendem Madoff, enquanto os Madoffs daqui financiam campanhas eleitorais.
Haver, verbo impessoal
Tenho algo contra Toffoli? Reitero: nada! Nem o conheço. Só acho que ele precisa estudar mais. Dia desses, assisti a uma entrevista sua no Roda Viva. Ele ignora, por exemplo — quem quiser que reveja o programa — que o verbo "haver", no sentido de existir, é impessoal, não tem sujeito, mas, a exemplo de todos os outros verbos, NÃO concorda com o objeto direto.
Estou me atendo a uma firula? Com os diabos! Quando o assunto é Toffoli, a reprovação em concurso da sua área não é critério; o domínio da língua não é critério; o fato de ter sido advogado de Lula não é critério… Qual é o critério, então? A variedade dos seus óculos? Teria ele escrito a versão nativa de Dos Delitos e das Penas? Seria ele o Beccaria brasileiro, e só eu me negaria a reconhecer? Eu sei que há muitos idiotas e safados com pleno domínio da inculta e bela. De um ministro do Supremo, espera-se o tal "notório saber jurídico". Com a devida vênia, há alguns indícios de preparo intelectual e "notório saber". E há outros de despreparo e saber nada notório.
Mensalão
De resto, os ministros do Supremo, um dia, vão julgar os réus do mensalão, aquele processo que atingiu toda a cúpula do PT, partido ao qual Toffoli servia como advogado. Pergunto: ele declararia a sua suspeição e se absteria de votar? Ou se sentiria bem no papel de juiz daqueles de quem foi empregado? Nem ele nem ninguém vão acreditar, mas juro que também escrevo para o seu próprio bem. Como esse rapaz suportaria ser visto , nos próximos 28 anos (!!!), como alguém que chegou lá conduzido por misto de compadrio e benevolência?
Alguém poderia contra-argumentar: "Reinaldo, e se ele votasse contra todos os acusados do mensalão? Ficaria provada a sua isenção?" Não é isento quem só pode votar de um jeito para provar que é isento. Como se vê, em casos assim, o vício de origem não tem conserto.
Miremo-nos no exemplo daquelas mulheres da América.

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