06 janeiro 2010

A perigosa hiperatividade fiscal | Brasil Econômico



| Everardo Maciel - Ex-secretário da Receita Federal


Dia após dia, a administração fiscal brasileira vem aperfeiçoando seu arcabouço legal e padrão operacional, a ponto de conquistar reconhecimento internacional pela sua qualidade.
Constituem evidências desse processo o uso intensivo da internet na entrega de declarações, a implantação do Siscomex, a depuração e aprimoramento dos cadastros fiscais (o CPF, por exemplo, é hoje a única chave efetiva de quase todos os bancos de dados de pessoas físicas), a adoção de institutos restritivos ao mau contribuinte (como a inaptidão fiscal e a fiscalização especial), a mitigação do uso de brechas fiscais (regras de preços de transferências, tratamento oneroso das operações com paraísos fiscais, eliminação da correção monetária de balanços) etc.
Em franco progresso, encontram-se a escrituração fiscal digital e a nota fiscal eletrônica, que representam novos passos em direção à eficiência.
Em que pese esse contínuo aperfeiçoamento, existem deficiências a serem sanadas, especialmente no tocante ao atendimento do contribuinte, tanto na forma presencial, quanto remota. De igual forma, existem excessos que merecem ser reparados.
A substituição tributária é um mecanismo eficaz no enfrentamento da evasão fiscal. Sua banalização, contudo, pode converter-se em verdadeiro tormento para o contribuinte, especialmente nos casos daqueles que têm volumes significativos de operações interestaduais e dos optantes do Simples.
A retenção na fonte dos tributos federais é, também, um valioso instrumento para fiscalização, pela possibilidade de gerar cruzamento de informações relativas a pagamentos com interesse fiscal.
Sua utilização requer, contudo, parcimônia. É adequada nas hipóteses de pagamentos de pessoas jurídicas a pessoas físicas ou de grandes empresas a pequenas e médias.
É pura insensatez, entretanto, estender essas regras a pagamentos realizados a grandes empresas pelas pequenas e médias (como as optantes pelo regime do lucro presumido), pois, além de comprometer a vantagem associada à redução do universo a fiscalizar, produz uma miríade de documentos de arrecadação que somente atormenta a vida do contribuinte e dificulta os trabalhos de fiscalização.
As malhas fiscais são indispensáveis à atividade. É equivocado, todavia, usá-las como forma de resolver problemas de caixa do Tesouro. Em boa hora, o governo reconsiderou a desastrada intenção de retardar a devolução do IRPF, mediante retenção em malha das declarações deste exercício.
Nos últimos anos, observa-se uma excessiva retenção nas declarações do IRPF. Atribui-se tal fato à constatação de que os gastos com saúde, como percentual da renda tributável, ultrapassaram um parâmetro assumido como normal.
As despesas com saúde são quase sempre imprevisíveis (e indesejadas), logo não faz sentido presumir que elas tenham algum padrão de normalidade. De mais a mais, as pessoas com o passar dos anos, infelizmente, vão aumentando os gastos com saúde como proporção da renda.
É evidente que existem fraudes nessas deduções. As armas para combatê-las exigem a concepção de modelos mais sofisticados e não o mero recurso à malha. De outra forma, estaríamos a admitir, por mais estranho que pareça, uma maliciosa perseguição aos idosos e aos doentes.
Definitivamente, não é isso que se espera do Fisco.
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Everardo Maciel é consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal

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