Conjur - Entrevista: Cezar Peluso, ministro do Supremo Tribunal Federal (pág...
Há completo desprezo pela legalidade no Brasil
Por mais nobres que sejam os objetivos, não se pode atropelar a lei para atingi-los. Muitas decisões judiciais — principalmente as do Supremo Tribunal Federal — são bastante contestadas exatamente por analisar as causas sob o ponto de vista de que os fins não justificam os meios. Para o vice-presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, isso é muito preocupante.
Peluso completou 40 anos de magistratura — cinco deles no STF — no ano passado. É desse posto de observação privilegiado que traça um diagnóstico da carreira à qual dedicou a vida. "Se a magistratura não se voltar um pouco para dentro de si mesma, a longo prazo pode ter sua imagem irremediavelmente comprometida", analisa.
Para o ministro, os juízes, principalmente da nova geração, vêm perdendo algumas das mais importantes qualidades que fizeram a magistratura ganhar respeito no país. Recato e prudência são predicados que, segundo ele, estão deixando de pertencer à carreira.
A raiz do problema, afirma, é a forma de recrutamento. "O universo de candidatos à magistratura restringe-se a jovens recém-formados, que não têm experiência profissional, não têm experiência de vida ou equilíbrio e maturidade suficientes para ser juiz. E nosso processo de recrutamento não permite apurar a vocação."
Em entrevista à Consultor Jurídico, o ministro falou também da falta da cultura da legalidade no país — que se torna mais grave quando parte de operadores do Direito acredita que, para pegar bandidos, vale atropelar o ordenamento jurídico —, das tensões criadas entre os poderes com as decisões do Supremo, de escutas telefônicas, mas, sobretudo, de Justiça. O ministro considera que, em 2008, o Estado brasileiro subiu alguns degraus graças ao STF.
Cezar Peluso recebeu a revista Consultor Jurídico em seu gabinete, no Supremo, na segunda-feira (26/1). A entrevista foi marcada para fazer o perfil do ministro para o Anuário da Justiça 2009, que será lançado em março.
Leia a entrevista
ConJur — Como o senhor vê o Poder Judiciário hoje?
Cezar Peluso — Com certa preocupação. Sobretudo com as novas gerações de magistrados, que vêm perdendo algumas das qualidades que tornaram a magistratura uma instituição respeitada no país. Tem-se deixado de lado as chamadas virtudes tradicionais do magistrado.
ConJur — Quais virtudes?
Peluso — Certa reserva no comportamento, a circunspecção, a gravidade, a prudência. É fundamental ter um pouco de recato na vida privada. Esses predicados da magistratura estão sendo subvalorizados. Sob o pretexto de democratização, modernização ou abertura do Judiciário, juízes passaram a expor-se demais e a falar muito fora dos autos. Hoje, dão opinião sobre tudo, manifestam-se até sobre processos em andamento na mão de outros colegas, fazem críticas públicas e não acadêmicas a decisões de outros magistrados, a decisões de tribunais. Isso não é saudável porque cria na magistratura um clima e uma presunção de liberdade absoluta, de que o magistrado pode fazer qualquer coisa. Se alguém reage contra esse tipo de comportamento, é taxado de retrogrado, antidemocrático, autoritário.
ConJur — Mas o fato de os juízes se abrirem não é uma evolução?
Peluso — É, mas hoje há certo exagero. A democratização da magistratura não é como a democratização de outras instituições, que dependem de relacionamento muito próximo com o público. Os políticos, por exemplo, vivem do contato com o público. Os juízes devem ser mais recatados nesse ponto. Minha experiência como magistrado, principalmente nas cidades do interior pelas quais passei, sempre me mostrou que o juiz que cultivava as virtudes mais tradicionais era mais respeitado.
ConJur — Ou seja, o problema não é o juiz falar, é sobre o que falar?
Peluso — Sobre o que falar, como falar e quando falar. E não é só o falar. É o comportar-se. Só para dar um exemplo, hoje há juízes processados por dar tiros a esmo em lugares públicos. Há processos disciplinares contra juízes por uso indevido de arma de fogo em vários tribunais. Isso mostra que há um afrouxamento dos limites que a magistratura tem de se impor e que são altamente importantes para a imagem pública do juiz e do Judiciário. Se a magistratura não se voltar um pouco para dentro de si mesma, a longo prazo pode ter sua imagem irremediavelmente comprometida. Os magistrados estão muito mais preocupados com coisas externas, que não são típicas de suas funções. Isso abala a confiança da população no Judiciário.
ConJur — Mas a confiança não está abalada já, principalmente pela lentidão processual?
Marcadores: Direito
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