25 dezembro 2010

Lição sueca de tolerância

via Augusto Nunes | VEJA.com de Augusto Nunes em 20/12/10


TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE DOMINGO

Mario Vargas Llosa
Se um dia você for a Estocolmo, aconselho-o a visitar, além dos museus, palácios, o centro velho e as ilhas, um modesto bairro ao sul da cidade chamado Rinkeby. A grande maioria da sua população é formada por famílias imigrantes e é uma das áreas mais pobres do país, embora a noção de pobreza na Suécia, país que atingiu o mais alto nível de vida do mundo, juntamente com a Suíça, tem pouco a ver com o significado dessa palavra para o restante do planeta.
É importante conhecer em Rinkeby a sua escola pública, instituição que é o espelho do que deveria ser a sociedade humana, o mundo todo, se prevalecesse, entre nós, mortais, a sensatez, o discernimento e o espírito prático. Nesta escola, meninos e meninas falam 19 idiomas diferentes e veem de uma centena de países diversos. Todas essas crianças conhecem o sueco e o inglês, mas não perderam a língua materna. Isso porque a escola organizou-se de maneira que elas tenham aulas, pelo menos uma hora por semana, na língua que falam em casa e dos seus ancestrais. O diretor da escola, Börje Ehrstrand, está convencido de que a integração dessas crianças à cultura e aos costumes da Suécia é mais fácil se, em vez de rechaçarem, elas reivindicarem e sentirem orgulho da sua origem. A filosofia dessa escola se resume numa palavra: tolerância.
De tudo o que fiz e vi em oito dias em Estocolmo, pouca coisa me deixou tão comovido como a tarde que passei em Rinkeby, para assistir a um espetáculo preparado pelos alunos. Fui acolhido por 19 meninos e meninas, cada um falando um idioma distinto, formando um verdadeiro leque de raças, tradições, religiões e culturas do mundo. Havia adolescentes escandinavas de minissaia ao lado de garotas do Iêmen usando véu, árabes norte-africanos misturados com turcos, chilenos e chineses, roupas extravagantes e formais.
As crianças começaram a sessão cantando canções natalinas nórdicas. Em seguida começou a apresentação, que consistiu de duas partes. A primeira foi um resumo da vida e obra de Alfred Nobel (1833-1896), o químico que inventou a dinamite, foi um poderoso industrial e deixou sua fortuna para a criação dos prêmios que levam seu nome.
Depois, a representação das crianças ficou mais didática, explicando quais eram as invenções e realizações, cujos autores tinham merecido, este ano, os prêmios Nobel de medicina, Física e Química. Foi de tirar o chapéu! Na véspera, num programa da BBC, os próprios laureados tentaram explicar para nós, leigos, sobre seus inventos, mas, que não falo apenas em meu nome – nos deixaram sem entender nada.
Na segunda parte, as crianças narraram e representaram, resumidamente, um romance meu, O Falador. A encenação das crianças foi maravilhosa, ilustrando com desenhos, música e imagens, os textos que os diversos narradores liam em idiomas diferentes. Era como se eu estivesse revivendo minhas sensações quando criei essa história.
Há 20 anos, tanto o bairro quanto a escola de Rinkeby não eram nem a sombra do que são agora. A violência reinava nessa área e fotos da época mostram que as salas de aula, os pátios e corredores da escola eram um monumento à desordem e o rendimento escolar era o mais baixo do país. Foi nestas condições que um dos professores, Börje Ehrstrand, assumiu a direção. As reformas que introduziu foram discutidas com os pais dos alunos que passaram a ter uma participação constante em todas as atividades escolares, incluindo as didáticas. Esses pais, juntamente com os alunos, assumiram a limpeza do local, a título de trabalho voluntário.
Os dois primeiros anos são os mais difíceis, sendo que a tarefa fundamental da escola é eliminar a desconfiança dos recém-chegados para com seus companheiros de classe que se vestem diferente, falam outra língua, adoram outro Deus. Alguns se adaptam com facilidade; os com mais dificuldades têm cursos especiais, que são assistidos também pelos pais, assessorados por dois psicólogos. No geral, a partir do terceiro ano, a comunicação e o intercâmbio são espontâneos e pode-se falar de uma integração, porque os denominadores comuns – o idioma e a aceitação do "outro" – já fazem parte da personalidade do aluno.
A escola de Rinkeby não é notável só porque ali coexistem meninos e meninas de todo o espectro cultural, mas também porque há três anos os seus alunos figuram nos primeiros lugares do concurso nacional de matemática e pelos excelentes sucessos acadêmicos dos alunos medianos. Como nos últimos anos a demanda aumentou, a escola cresceu e hoje uma quarta parte dos alunos vem de outros bairros e a fama da instituição transcendeu as fronteiras suecas. A Comunidade Europeia premiou a escola como a que mais sucesso teve na prevenção da delinquência.
Não é de estranhar que, ao contrário do que costuma acreditar, a escola não é mais do que um reflexo daquilo que ocorre em torno dela, e neste caso a transformação teve um efeito saudável na comunidade que a cerca, atenuando a violência, as disputas étnicas e religiosas, a criminalidade.
A Suécia não ficou imune aos preconceitos contra a imigração que, fomentados pela crise financeira e a consequente redução do emprego fez com que partidos e movimentos extremistas, anti-imigrantes e xenófobos passassem a ter uma presença que não tinham. Pela primeira vez, um deles entrou no Parlamento sueco nas últimas eleições. Não é um fato raro. Quando uma sociedade é vítima de alguma catástrofe, econômica ou política, surge a necessidade de um bode expiatório e é claro que os imigrantes são os principais alvos.
Não importa que todas as estatísticas mostrem que, sem a imigração, os países europeus não conseguiriam manter os altos níveis de vida que possuem e o que os trabalhadores estrangeiros dão para a economia de um país é muito superior ao que dela recebem. Mas a verdade se fragmenta contra o que Popper chamava de espírito da tribo, o rechaçar instintivo do "outro", um repúdio primitivo que é o maior obstáculo para um país alcançar a civilização.
Por isso, o que a escola de Rinkeby conseguiu é muito importante e deveria servir de modelo para todos os países que recebem grandes contingentes de imigrantes e querem evitar os problemas decorrentes da marginalização e da discriminação contra eles. É preciso começar com as crianças.
Que elas aprendam a conviver com quem tem fala, pele, deuses e costumes diferentes e que, com esse convívio, se desprendam de tudo aquilo que dificulta ou impede a coexistência com os outros. Esta é a maneira mais segura de conseguir, mais tarde, quando já são pessoas adultas, que elas possam viver em paz nessa diversidade étnica e linguística que, gostemos ou não, será o traço primordial do mundo no qual já entramos.

Confira 13 momentos da denúncia do procurador-geral que mostram José Dirceu ...

via Augusto Nunes - VEJA.com de Augusto Nunes em 17/12/10



No depoimento em que escancarou as catacumbas do mensalão, o deputado Roberto Jefferson ordenou ao ministro José Dirceu que deixasse imediatamente a chefia da Casa Civil. "Rápido! Sai daí rápido, Zé!", determinou o presidente do PTB em 14 de junho de 2005, diante da plateia de parlamentares aglomerada na sala da CPI dos Correios. Despejado do Planalto dias depois, Dirceu teria o mandato cassado em dezembro.
Passados cinco anos, Dirceu repete que foi vítima de uma vingança política da oposição e se proclama inocente. A esperteza do guerrilheiro de festim é implodida pela denúncia apresentada em 30 de março de 2006 pelo então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, encampada quase integralmente no ano seguinte pelo ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal. Confira 13 momentos do histórico arrazoado em que aparece o nome de José Dirceu:
1)
A análise das movimentações financeiras dos investigados e das operações realizadas pelas instituições financeiras envolvidas no esquema demonstra que estes, fazendo tabula rasa da legislação vigente, mantinham um intenso mecanismo de lavagem de dinheiro com a omissão dos órgãos de controle, uma que possuíam o apoio político, administrativo e operacional de José Dirceu, que integrava o Governo e a cúpula do Partido dos Trabalhadores (…)
2)
O núcleo principal da quadrilha era composto pelo ex Ministro José Dirceu, o ex tesoureiro do Partido dos Trabalhadores, Delúbio Soares, o ex Secretário-Geral do Partido dos Trabalhadores, Sílvio Pereira, e o ex Presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoíno. Como dirigentes máximos, tanto do ponto de vista formal quanto material, do Partido dos Trabalhadores, os denunciados, em conluio com outros integrantes do Partido, estabeleceram um engenhoso esquema de desvio de recursos de órgãos públicos e de empresas estatais e também de concessões de benefícios diretos ou indiretos a particulares em troca de ajuda financeira (…)
3)
As provas colhidas no curso do Inquérito demonstram exatamente a existência de uma complexa organização criminosa, dividida em três partes distintas, embora interligadas em sucessivas operações: a) núcleo central: José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira (…)
4)
Ante o teor dos elementos de convicção angariados na fase pré-processual, não remanesce qualquer dúvida de que os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, objetivando a compra de apoio político de outros Partidos Políticos e o financiamento futuro e pretérito (pagamento de dívidas) das suas próprias campanhas eleitorais associaram-se de forma estável e permanente aos denunciados (…) para o cometimento reiterado dos graves crimes descritos na presente denúncia (…)
5)
É certo que José Dirceu, então ocupante da importante Chefia da Casa Civil, em razão da força política e administrativa de que era detentor, competindo-lhe a decisão final sobre a indicação de cargos e funções estratégicas na administração pública federal, foi o principal articulador dessa engrenagem, garantindo-lhe a habitualidade e o sucesso. Sua atuação, na verdade, teve origem no período que presidiu o Partido dos Trabalhadores no curso da eleição presidencial de 2002 (…)

6)
Roberto Jefferson, com o conhecimento de quem vendia apoio político à organização delitiva ora denunciada, em todos os depoimentos prestados, apontou José Dirceu como o criador do esquema do "mensalão". (…) Roberto Jefferson afirmou que todas as tratativas sobre a composição política, indicação de cargos, mudança de partidos por parlamentares para compor a base aliada em troca de dinheiro e compra de apoio político foram tratadas diretamente com o ex Ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu. Tratavam, inclusive, sobre o "mensalão", matéria que foi objeto de conversa entre ambos em cinco ou seis oportunidades (…)

7)
Com a base probatória colhida, pode-se afirmar que José Genoíno, até pelo cargo partidário ocupado, era o interlocutor político visível da organização criminosa, contando com o auxílio direto de Sílvio Pereira, cuja função primordial na quadrilha era tratar de cargos a serem ocupados no Governo Federal. Delúbio Soares, por sua vez, era o principal elo com as demais ramificações operacionais da quadrilha (Marcos Valério e Rural) repassando as decisões adotadas pelo núcleo central. Tudo sob as ordens do denunciado José Dirceu, que tinha o domínio funcional de todos os crimes perpetrados, caracterizando-se, em arremate, como o chefe do organograma delituoso (…)
8 )
Merece destaque, para o completo entendimento de todos os mecanismos de funcionamento do esquema, a relevância do papel desempenhado por José Dirceu no Governo Federal. De fato, conforme foi sistematicamente noticiado pela imprensa após o início do Governo atual, José Dirceu inegavelmente era a segunda pessoa mais poderosa do Estado brasileiro, estando abaixo apenas do Presidente da República. Assim, a atuação voluntária e consciente do ex Ministro José Dirceu no esquema garantiu às instituições financeiras, empresas privadas e terceiros envolvidos que nada lhes aconteceria, como de fato não aconteceu até a eclosão do escândalo, e também que seriam beneficiados pelo Governo Federal em assuntos de seu interesse econômico, como de fato ocorreu (…)
9)
Marcos Valério, diante das claras evidências no sentido de que Delúbio Soares não atuava sozinho no Partido dos Trabalhadores, pois não teria a autonomia necessária para estruturar operações do porte das investigadas nos autos, admitiu que o então Ministro José Dirceu, representando a cúpula do Partido dos Trabalhadores e como alto integrante do Governo Federal, estava ciente dos esquemas de repasse de dinheiro estabelecidos com Delúbio Soares, tendo garantido as operações (…)
10)
Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do Governo Federal. Nesse sentido, eles ofereceram e, posteriormente, pagaram vultuosas quantias a diversos parlamentares federais, principalmente os dirigentes partidários para receber apoio político do Partido Progressista (PP), Partido Liberal (PL), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e parte do Partido do Movimento Democrático Brasileiro ─ PMDB (…)
11)
Para a execução dos pagamentos de propina, José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira valeram-se dos serviços criminosos prestados por Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Simone Vasconcelos e Geiza Dias (…)
12)
Ao longo dos anos de 2003 e 2004, os denunciados Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Antônio Lamas receberam aproximadamente dez milhões e oitocentos mil reais a título de propina. O acordo criminoso com os denunciados José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira foi acertado na época da campanha eleitoral para Presidência da República em 2002, quando o PL participou da chapa vencedora (…)
13)
José Dirceu,
Delúbio Soares, José Genoíno e Sílvio Pereira, mediante pagamento de propina, adquiriram apoio político de Parlamentares Federais do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. Os pagamentos foram viabilizados pelo núcleo publicitário-financeiro da organização criminosa. Os parlamentares federais que receberam vantagem indevida foram José Carlos Martinez (falecido), Roberto Jefferson e Romeu Queiroz. Todos contaram com o auxílio direto na prática dos crimes de corrupção passiva do denunciado Emerson Palmieri (…)
José Dirceu foi acusado de formação de quadrilha, peculato e corrupção ativa. Somadas as penas previstas para cada delito, pode ser engaiolado por cinco a 27 anos.

O povo sou eu

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 02/12/10


Leia editorial do Estadão:
O mesmo presidente Lula que aconselhou um repórter deste jornal a fazer psicanálise para se tratar da "doença do preconceito", revelou ter dito de si certa vez algo que deveria levá-lo ao divã do terapeuta mais próximo. Não fosse a inconfidência, a sua grosseria com o jornalista Leonencio Nossa, baseado no Palácio do Planalto, mereceria ser largada no aterro onde se amontoam os incontáveis rompantes, bravatas e despautérios do mais prolixo dos governantes brasileiros. Mas o encadeamento das coisas obriga a revolver as palavras do presidente, em consideração ao interesse público.
As cenas constrangedoras se passaram quando Lula visitava as obras da hidrelétrica de Estreito, no Maranhão, para o fechamento simbólico da primeira das 14 comportas da usina. Perguntado pelo repórter do Estado se a visita era uma forma de agradecer o apoio da oligarquia Sarney ao seu governo, ele perdeu as estribeiras. Embora o presidente do Senado seja o patriarca do clã que sabidamente controla a vida política maranhense há cerca de meio século e embora seja também notória a sua sintonia com os interesses do lulismo - e vice-versa -, Lula reagiu com indisfarçada hostilidade.
A pergunta "preconceituosa", investiu, demonstraria que o jornalista não teria aprendido que o Senado é uma instituição autônoma e que, ao se eleger e tomar posse, todo político "passa a ser uma instituição". "Sarney não é meu presidente", emendou. "É o presidente do Senado deste país." Lula domina com maestria o tipo de mentira que consiste em omitir uma parte, a mais importante, da verdade. No caso, o pacto de mútua conveniência entre ambos - que se sobrepõe ao caráter institucional das relações entre dois chefes de Poderes.
Que o diga o PT do Maranhão, obrigado este ano a desistir da candidatura própria no Estado em favor da reeleição da governadora Roseana Sarney. Foi ao pai que Lula se dirigiu em dada ocasião para transmitir uma ameaça ao Congresso. Segundo a história que o presidente contou na sua fala de improviso em Estreito, no decorrer da crise do mensalão, em 2005, pediu que Sarney advertisse os parlamentares da oposição de que, "se tentassem dar um passo além da institucionalidade, não sabem o que vai acontecer". Porque "não é o Lula que está na Presidência, mas a classe trabalhadora"
Ou, mais precisamente, porque ele é "a encarnação do povo". Não há o mais remoto motivo para duvidar de que isso é o que ele enxerga quando se olha ao espelho. Luiz XIV teria dito que "o Estado sou eu". Era, de toda sorte, uma constatação política - e a mais concisa definição que se conhece do termo autocracia. Mas nem o Rei Sol, que via a sua onipotência iluminando a França, tinha a pretensão de encarnar os seus súditos. Não ousaria dizer "o povo sou eu". Em psiquiatria há diversas denominações para o que em linguagem leiga se chama mania de grandeza.
Lula disse ainda que de início tinha medo do que lhe poderia acontecer à luz de um passado que incluía o suicídio de Vargas, a tentativa de impedir a posse de Juscelino, a deposição de Jango, a renúncia de Jânio e o impeachment de Collor. A julgar por sua versão, o migrante que passou fome e privações e refez a vida sem renegar as suas origens seria um candidato natural a engrossar a lista dos governantes brasileiros apeados do poder de uma forma ou de outra, no que seria uma interminável conspiração dos descontentes. Mas "eles", teria dito naquela conversa com Sarney, "vão saber que eu sou diferente".
O que espanta, além da teoria encarnatória, são as circunstâncias que levaram Lula a invocar alguns dos momentos mais turbulentos da história nacional. Em 2005, a oposição não conspirava para "dar um passo além da institucionalidade" nem o País estava convulsionado por um confronto ideológico que se resolveria pela força. Os brasileiros, isso sim, estavam aturdidos com as evidências de que o lulismo usava dinheiro que transitava pelos desvãos da política e do governo para comprar votos na Câmara dos Deputados - o mensalão. Lula não estava nem um pouco preocupado com as instituições. Queria dar dimensão histórica ao que não passava de um caso de polícia. Encarnou uma mistificação.

Cordel da Transição, de Raimundo Cazé

via Augusto Nunes - VEJA.com de Augusto Nunes em 29/11/10

Nosso grande comentarista Raimundo Cazé compôs o Cordel da Transição especialmente para a coluna. Divirtam-se

Cordel da transição

(Raimundo Cazé)
Não há nada mais melancólico
Depois de uma eleição
Do que o tempo de espera
Nessa tal de transição
Esperança pros que chegam
Tristeza pros que se vão
Lula e Dilma, finalmente
Vão ficar distanciados
Sai de cena o presidente
Fagueiro e realizado
E o povo brasileiro
Esperando o resultado
A eleita se prepara
Para o que der e vier
Leva como grande trunfo
O fato de ser mulher
A primeira a ser eleita
E seja o que Deus quiser
O presidente que sai
Adotou o populismo
A presidente que entra
Tem raiz no comunismo
Ninguém sabe se virá
Mudança ou continuísmo?
"Pra continuar mudando"
Foi o slogan escolhido
Com isso foram enganando
O eleitor distraído
Que acabou aprovando
Uma coisa sem sentido
Mudança continuada
Sob uma mesma gestão
É uma prova velada
De erros em profusão
Quando a coisa é bem cuidada
Para que mudar, então?
Quem muda só por mudar
Muda sempre pra pior
Se a ordem é continuar
O estilo é um só
O termo aperfeiçoar
Cairia bem melhor
Ninguém nasce igual ao outro
Isso é antigo demais
As pessoas são distintas
Como impressões digitais
Ninguém espere de Dilma
As coisas que Lula faz
Lula nasceu no Nordeste
Mas cedo adquiriu nome
Fez questão de propagar
Que sofreu e passou fome
Criou a falsa imagem
De que é um grande homem
Dilma tem sua origem
Em plagas do exterior
Nasceu em berço de ouro
E com os pais emigrou
Minas e Rio Grande
Foram os chãos que pisou
Ela tem tudo pra ser
O avesso do antecessor
Passou por bancos de escola
Tem curso superior
Enfrentou dificuldades
Que o outro nunca enfrentou
Até na subversão
Dilma foi bem diferente
Seu período de prisão
Foi mais longo e consistente
Chegou a ser torturada
De maneira inclemente
Lula foi condescendente
Com o golpe militar
Passou pouco tempo preso
E aceitou negociar
Para ter vida tranqüila
Não quis radicalizar
No terreno pessoal
Quase nada ele sofreu
Chegou a perder um dedo
Mas disso logo esqueceu
uma aposentadoria
O acidente lhe rendeu
Dilma teve o desprazer
De um câncer que adquiriu
Cuidou cedo da doença
Prontamente reagiu
Depois entrou na campanha
E a tudo resistiu
A ela só falta agora
Se livrar da maldição
Que o populismo de Lula
Causou à população
Como se fosse só dele
O mérito da eleição
Pra governar o País
E ser bem avaliada
Dilma será ela mesma
Por certo e determinada
Mulher nos dias de hoje
Não aceita ser mandada
Se quiser ser grata a Lula
Dê-lhe alguma ocupação
Uma missão estrangeira
Lá no Afeganistão
Pra ele não dar "pitaco"
Em sua administração
Na formação da equipe
Não aceite imposição
No máximo procure ouvir
Uma ou outra sugestão
Porém deixe logo claro
Que é sua a decisão
Se aceitar algum nome
Por lula recomendado
Não deixe no mesmo cargo
Pra não ficar viciado
E nem ter a sensação
De que é apadrinhado
Se puder ser tolerante
Com o grupo derrotado
Faça isso com grandeza
E espírito desarmado
Não diga que o concorrente
Precisa ser massacrado
Nunca faça como Lula
Tem feito com a oposição
Pregando o extermínio
De sigla ou coligação
Que critique os seus atos
Em busca da perfeição
Fale só o necessário
E seja organizada
Como faz toda mulher
Mantendo a casa arrumada
Governar exige isso
É coisa já comprovada
Não confunda transparência
Com visão antecipada
Não crie expectativa
Que não possa ser alcançada
Blá-blá-blá na vida pública
Não contribui para nada.
Se for fazer a reforma
Acabe a reeleição
Devolva a coincidência
Com o mandato tampão
Porém, nunca admita
Que haja prorrogação
Acabe o segundo turno
Jogo prorrogado é chato
Em vez dele, um referendo
Na metade do mandato
Se o titular cair fora
O vice assume de fato
Tire da sua cabeça
A idéia de revolução
Se quiser pegar em arma
Pegue por outra razão
Que tal uma luta armada
Contra a corrupção?
Se Lula se opuser
Ao que estou sugerindo
Não se preocupe com isso
Pise firme e vá seguindo
Lá no Afeganistão
Ele acaba consentindo
Não vá brigar com a mídia
Isso é prejudicial
Liberdade de expressão
É uma coisa normal
Ajuda o governante
A saber quem anda mal
Por nada do que sugiro
Pedirei compensação
Você como presidente
Tem poder de decisão
O povo lhe deu a chance
De mudar nossa nação.
FIM

O AI-5 GAY JÁ COMEÇA A SATANIZAR PESSOAS; SE APROVADO, VAI PROVOCAR O CONTRÁ...

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 22/11/10

O reverendo Augustus Nicodemus Lopes, chanceler a Universidade Mackenzie — homem inteligente, capaz, disciplinado na sua fé e respeitador das leis do país; sim, eu o conheço — está sendo alvo de uma violenta campanha de difamação na Internet. Na próxima quarta, grupos gays anunciam um protesto nas imediações da universidade que ele dirige com zelo exemplar. Por quê? Ele teve a "ousadia", vejam só, de publicar, num cantinho que lhe cabe no site da instituição trecho de uma resolução da Igreja Presbiteriana do Brasil contra a descriminação do aborto e contra aprovação do PL 122/2006 — a tal lei que criminaliza a homofobia (aqui). O texto nem era seu, mas do reverendo Roberto Brasileiro, presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. A íntegra do documento está aqui. Pode-se ler lá o que segue:
"Quanto à chamada Lei da Homofobia, que parte do princípio que toda manifestação contrária à homossexualidade é homofóbica (…), a Igreja Presbiteriana do Brasil repudia a caracterização da expressão do ensino bíblico sobre a homossexualidade como sendo homofobia, ao mesmo tempo em que repudia qualquer forma de violência contra o ser humano criado à imagem de Deus, o que inclui homossexuais e quaisquer outros cidadãos".
Respondam: o que há de errado ou discriminatório nesse texto? A PL 122 nem foi aprovada ainda, e as perseguições já começaram. Vamos tornar ainda mais séria essa conversa. Há gente que gosta das soluções simples e erradas para problemas difíceis. Eu estou aqui para mostrar que há coisas que, simples na aparência, são muito complicadas na essência. Afirmei certa feita que o verdadeiro negro do mundo era o branco, pobre, heterossexual e católico. Era um exagero, claro!, uma expressão de mordacidade. A minha ironia começa a se transformar numa referência da realidade. A PL 122 é flagrantemente inconstitucional; provocará, se aprovada, efeitos contrários àqueles pretendidos e agride a liberdade religiosa. É simples assim. Mas vamos por partes, complicando sempre, como anunciei.
Homofóbico?
Repudio o pensamento politicamente correto, porque burro, e o pensamento nem-nem — aquele da turma do "nem isso nem aquilo". Não raro, é coisa de covardes, de quem quer ficar em cima do muro. Procuro ser claro sobre qualquer assunto. Leitores habituais deste blog já me deram algumas bordoadas porque não vejo nada de mal, por exemplo, na união civil de homossexuais — que não é "casamento". Alguns diriam que penso coisa ainda "pior": se tiverem condições materiais e psicológicas para tanto, e não havendo heterossexuais que o façam, acho aceitável que gays adotem crianças. Minhas opiniões nascem da convicção, que considero cientificamente embasada, de que "homossexualidade não pega", isto é, nem é transmissível nem é "curável". Não sendo uma "opção" (se fosse, todos escolheriam ser héteros), tampouco é uma doença. Mais: não me parece que a promiscuidade seja apanágio dos gays, em que pese a face visível de certas correntes contribuir para a má fama do conjunto.
"Que diabo de católico é você?", podem indagar alguns. Um católico disciplinado. É o que eu penso, mas respeito e compreendo a posição da minha igreja. Tampouco acho que ela deva ficar mudando de idéia ao sabor da pressão deste ou daqueles grupos católicos. Disciplina e hierarquia são libertadoras e garantem o que tem de ser preservado. Não tentem ensinar a Igreja Católica a sobreviver. Ela sabe como fazer. Outra hora volto a esse particular. Não destaco as minhas opiniões "polêmicas" para evitar que me rotulem disso ou daquilo. Eu estou me lixando para o que pensam a meu respeito. Escrevo o que acho que tem de ser escrito.
Aberração e militância
Ter tais opiniões não me impede de considerar que o tal PL 122 é uma aberração, que busca criar uma categoria especial de pessoas. E aqui cabe uma pequena história. Tudo começou com o Projeto de Lei nº 5003/2001, na Câmara, de autoria da deputada Iara Bernardes, do PT. Ele alterava a Lei nº 7716, de 1989, que pune preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (íntegra aqui) acrescentando ao texto a chamada discriminação de gênero. Para amenizar o caráter de "pogrom gay", o senador Marcelo Crivella acrescentou também a discriminação contra idoso e contra deficientes como passível de punição. Só acrescentou absurdos novos.
Antes que me atenha a eles, algumas outras considerações. À esteira do ataque contra três rapazes perpetrados por cinco delinqüentes na Avenida Paulista, que deveriam estar recolhidos (já escrevi a respeito), grupos gays se manifestaram. E voltou a circular a tal informação de que o Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo. É mesmo? Este também é um dos países que mais matam heterossexuais no mundo!!! São 50 mil assassinatos por ano. Se os gays catalogados não chegam a 200 — e digamos que eles sejam 5% da população; há quem fale em 9%; não importa —, há certamente subnotificação, certo? "Ah, mas estamos falando dos crimes da homofobia…" Sei. Michês que matam seus clientes são ou não considerados "gays"? Há crimes que não estão associados à "orientação sexual" ou à "identidade de gênero", mas a um modo de vida. Cumpre não mistificar. Mas vamos ao tal PL.
Disparates
A Lei nº 7716 é uma lei contra o racismo. Sexualidade, agora, é raça? Ora, nem a raça é "raça", não é mesmo? Salvo melhor juízo, somos todos da "raça humana". O racismo é um crime imprescritível e inafiançável, e entrariam nessa categoria os cometidos contra "gênero, orientação sexual e identidade de gênero." Que diabo vem a ser "identidade de gênero". Suponho que é o homem que se identifica como mulher e também o contrário. Ok. A lei não proíbe ninguém de se transvestir. Mas vamos seguir então.
Leiam um trecho do PL 122:
Art. 4º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida do seguinte Art. 4º-A:
"Art. 4º-A Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco)anos."
Art. 5º Os arts. 5º, 6º e 7º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1999, passam a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público: Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos."
Para demitir um homossexual, um empregador terá de pensar duas vezes. E cinco para contratar — caso essa homossexualidade seja aparente. Por quê? Ora, fica decretado que todos os gays são competentes. Aliás, na forma como está a lei, só mesmo os brancos, machos, heterossexuais e eventualmente cristãos não terão a que recorrer em caso de dispensa. Jamais poderão dizer: "Pô, fui demitido só porque sou hétero e branco! Quanta injustiça!". O corolário óbvio dessa lei será, então, a imposição posterior de uma cota de "gênero", "orientação" e "identidade" nas empresas. Avancemos.
"Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional: Pena - reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos. "
Cristãos, muçulmanos, judeus etc têm as suas escolas infantis, por exemplo. Sejamos óbvios, claros, práticos: terão de ignorar o que pensam a respeito da homossexualidade, da "orientação sexual" ou da "identidade de gênero" — e a Constituição lhes assegura a liberdade religiosa — e contratar, por exemplo, alguém que, sendo João, se identifique como Joana? Ou isso ou cana?
Art. 7º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8º-A e 8º-B:
"Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos."
Pastores, padres, rabinos etc. estariam impedidos de coibir a manifestação de "afetividade", ainda que os fundamentos de sua religião a condenem. O PL 122 não apenas iguala a orientação sexual a raça como também declara nulos alguns fundamentos religiosos. É o fim da picada! Aliás, dada a redação, estaríamos diante de uma situação interessante: o homossexual reprimido por um pastor, por exemplo, acusaria o religioso de homofobia, e o religioso acusaria o homossexual de discriminação religiosa, já que estaria impedido de dizer o que pensa. Um confronto de idéias e posturas que poderia ser exercido em liberdade acaba na cadeia. Mas o Ai-5 mesmo vem agora:
"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero:
§ 5º O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica."
Não há meio-termo: uma simples pregação contra a prática homossexual pode mandar um religioso para a cadeia: crime inafiançável e imprescritível. Se for servidor público, perderá o cargo. Não poderá fazer contratos com órgãos oficiais ou fundações, pagará multa… Enfim, sua vida estará desgraçada para sempre. Afinal, alguém sempre poderá alegar que um simples sermão o expôs a uma situação "psicologicamente vexatória". A lei é explícita: um "processo administrativo e penal terá início", entre outras situações, se houver um simples "comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos." Não precisa nem ser o "ofendido" a reclamar: basta que uma ONG tome as suas dores.
A PL 122 institui o estado policial gay! E o chanceler no Mackenzie, Augustus Nicodemus Lopes, já é alvo dessa patrulha antes mesmo de essa lei ser aprovada.
O que querem os proponentes dessa aberração? Proteger os gays? Não há o risco de que aconteça o contrário? A simples altercação com um homossexual, por motivo absolutamente alheio à sua sexualidade, poderia expor um indivíduo qualquer a um risco considerável. Se o sujeito — no caso, o gay — for honesto, bem: não vai apelar à sua condição de "minoria especialmente protegida"; se desonesto — e os há, não? —, pode decidir infernizar a vida do outro. Assim, haverá certamente quem considere que o melhor é se resguardar. É possível que os empregadores se protejam de futuros dissabores, preferindo não arriscar. Esse PL empurra os gays de volta para o gueto.
Linchamento moral
O PL 122 é uma aberração jurídica, viola a liberdade religiosa e cria uma categoria de indivíduos especiais. À diferença de suas "boas intenções", pode é contribuir para a discriminação, à medida que transforma os gays numa espécie de "perigo legal". Os homossexuais nunca tiveram tanta visibilidade. Um gay assumido venceu, por exemplo, uma das jornadas do BBB. Cito o caso porque houve ampla votação popular. A "causa" está nas novelas. Programas de TV exibem abertamente o "beijo gay". Existe preconceito? Certamente! Mas não será vencido com uma lei que acirra as contradições e as diferenças em vez de apontar para um pacto civilizado de convivência. Segundo as regras da democracia, há, sim, quem não goste dessa exposição e se mobiliza contra ela. É do jogo.
Ninguém precisa de uma "lei" especial para punir aqueles delinqüentes da Paulista. Eles não estão fora da cadeia (ou da Fundação Casa) porque são heterossexuais, e sua vítima, homossexual. A questão, nesse caso, infelizmente, é muito mais profunda e diz muito mais sobre o Brasil profundo: estão soltos por causa de um preconceito social. Os homossexuais que foram protestar na Paulista movidos pela causa da "orientação sexual" reduziram a gravidade do problema.
Um bom caminho para a liberdade é não linchar nem física nem moralmente aqueles de quem não gostamos ou com quem não concordamos. Seria conveniente que os grupos gays parassem de quebrar lâmpadas na cabeça de Augustus Nicodemus Lopes, o chanceler do Mackenzie. E que não colocassem com tanta vontade uma corda no próprio pescoço sob o pretexto de se proteger. Mas como iluminar minimamente a mentalidade de quem troca o pensamento pela militância?
Quando trato de temas como esse, petralhas costumam invadir o blog com grosserias homofóbicas na esperança de que sejam publicadas para que possam, depois, sair satanizando o blog por aí. Aviso: a tática é inútil.  Não serão! Este blog é contra o PL 122 porque preza os valores universais da democracia, que protegem até os que não são gays…

O buraco no muro

via Augusto Nunes - VEJA.com de Augusto Nunes em 20/11/10


Nosso grande comentarista Reynaldo enviou um vídeo recomendado por Marcos Vinicius, de Belo Horizonte, também leitor da coluna. O filme conta a história do projeto Hole in the wall (Buraco no Muro), criado em 1999 por Sugata Mitra, professor da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.
Chefe de pesquisa e desenvolvimento do NIIT, um celebrado instituto de tecnologia da Índia, Mitra resolveu abrir um buraco no muro do prédio, vizinho de uma das maiores favelas de Nova Delhi, e instalar, voltado para o exterior, um computador com acesso à internet. Vale a pena conferir o que aconteceu:

Governo Lula se abstém em votação que condena apedrejamento; “companheiro” d...

via Reinaldo Azevedo | VEJA.com de Reinaldo Azevedo em 19/11/10


Mais uma de nossa diplomacia megalonanica. O Brasil se absteve na votação de uma resolução da ONU que condena o apedrejamento no Irã e que acusa o país de violar os direitos humanos e perseguir a imprensa. O texto pede ainda o fim da discriminação contra as mulheres e minorias religiosas. EUA, todos os países da Europa, Canadá, Japão, Chile e Argentina votaram a favor do documento. O Brasil preferiu integrar o batalhão da abstenção, que reuniu 57 países, entre eles, Angola, Benin, Butão, Equador, Guatemala, Marrocos, Nigéria, África do Sul e Zâmbia. Celso Amorim, o Colosso de Rhodes da diplomacia, nos convidaria a ver a coisa pelo lado positivo: o país poderia estar entre os que rejeitaram o texto: Venezuela, Síria, Sudão, Cuba, Bolívia e Líbia.
É mais um capítulo lastimável do alinhamento do Brasil com o Irã, sob o pretexto de  praticar uma política externa com propósitos superiores. A tese de fachada é que a ONU não deve ser usada como instrumento para pressionar países a mudar a sua política interna: o diálogo seria mais eficaz; condenações concorreriam para o acirramento dos ânimos. Acreditasse o Itamaraty no que diz, seria apenas tolo; como não acredita, é hipócrita. Amorim cobriu de abjeção a política externa brasileira.
Cumpre notar que esse é o voto de um país que acaba de eleger uma mulher para o cargo máximo da República.
"Essa resolução não é justa e não contribui com os direitos humanos. Essa resolução é fruto da hostilidade americana contra o Irã. É a politização dos direitos humanos", reagiu Mohammad-Javad Larijani, representante de Teerã na reunião. Ele explicou a perspectiva humanista do apedrejamento: "Significa que você deve fazer alguns atos, jogando um certo número limitado de pedras, de uma forma especial, nos olhos de uma pessoa. Apedrejamento é uma punição menor que a execução porque há a chance de sobreviver. Mais de 50% das pessoas podem não morrer".
Ah, bom, agora está tudo mais claro! Amorim deve considerar a explicação satisfatória. O metódico Larijani afirmou ainda: "Todos no Irã podem falar com a imprensa estrangeira. Mas depende do que querem dizer. Se estão difamando o sistema legal, devem ser responsáveis por isso". Perfeito! Franklin Martins deve achar que se trata da mais perfeita definição do que é liberdade de expressão. Todo mundo pode falar o que quiser desde que queira correr os riscos. No Irã, existe, afinal de contas, "controle social da mídia"…