29 março 2009

Repercussões econômicas de decisões judiciais preocupam magistrados

via www.stj.jus.br em 29/03/09
29/03/2009- 10h02
ENTREVISTA
Repercussões econômicas de decisões judiciais preocupam magistrados
A morosidade processual e decisões judiciais que revisam negócios praticados pelo mercado têm causado insegurança jurídica e prejudicado o desempenho econômico em diversos países. É o que demonstram estudos publicados nos últimos anos no Brasil e no exterior. Cientes dessa situação, os magistrados se deparam cotidianamente com o dilema de ter que dar respostas aos conflitos de natureza econômica levados à sua apreciação.

Em circunstâncias como essas, um dilema comum surge diante dos juízes: na hora de decidir, o que deve ter peso maior, a lógica da eficiência econômica ou valores ligados a direitos fundamentais dos cidadãos? Essa e outras questões foram tema do curso "Impacto Econômico e Social das Decisões", oferecido no início desta semana em Brasília pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

Durante dois dias, juízes de vários estados do país debateram aspectos relacionados ao tema, que cada vez mais está presente no dia a dia dos fóruns. O curso, que teve o objetivo de formar multiplicadores, foi ministrado pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) Rogério Gesta Leal.

Doutor em Direitos Humanos e do Estado, Leal defende que os magistrados tenham formação multidisciplinar e sensibilidade para compor conflitos e equilibrar interesses quando apreciam questões jurídicas que influenciam a economia.
Em entrevista à Coordenadoria de Imprensa do STJ, o desembargador falou sobre alguns temas que envolvem direito, economia e atuação dos juízes.

P - Estudos mostram que, em diversos casos, as decisões judiciais impactam negativamente as relações econômicas no Brasil. Sob o ponto de vista do Judiciário, quais são as soluções possíveis para a melhoria desse quadro?

Rogério Gesta Leal - É preciso haver uma sensibilização da magistratura brasileira para a complexidade das relações sociais, marcadas hoje por variados fatores. Um tema que aparentemente é jurídico, no sentido de ser tratado e regulado por lei, tem implicações de natureza econômica, social e política. Essas dimensões extra-normativas precisam ser consideradas pelo julgador. Uma questão que envolve, por exemplo, uma decisão sobre licitação pública vai ter sérias repercussões na esfera econômica, impactando pessoas jurídicas e físicas envolvidas no processo licitatório. Nós temos hoje uma série de situações que exigem do magistrado uma sensibilidade e uma formação multidisciplinar para permitir que ele possa tratar de questões jurídicas com impactos econômicos.

P - Como é possível equilibrar a necessidade de decisões mais rápidas, com menos prejuízo para a economia, com o imperativo da fundamentação de decisões que consideram não somente a lógica de mercado, mas outros valores jurídicos?

RGL - Essa é uma equação bastante complexa. De um lado, tem-se a Constituição brasileira que abre seu texto com o Título I, que trata dos princípios que remetem para os direitos fundamentais, dentre eles os sociais. Não é por acidente que, topograficamente, a ordem econômica e social esteja nos artigos 170 e seguintes da Constituição. Está lá porque, antes dela, há um universo de valores objetivos e finalidades republicanas que a condicionam na medida de suas forças. Ou seja, a ordem constitucional estabelece como seu pressuposto e fundamento a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, os direitos humanos fundamentais. Portanto a leitura que se pode fazer disso é que, sempre que estiverem periclitando interesses objetivos e finalidades econômicas em detrimento de interesses objetivos e finalidades ligadas a direitos humanos fundamentais, estes é que deverão receber prioridades de tratamento. Por outro lado, sempre que possível, é necessário buscar a integração desses comandos normativos. Ao integrá-los, é importante criar condições para que os princípios da ordem econômica e dos direitos fundamentais convivam bem entre si.

P - O sr. disse que o "Fator Judiciário" tem impactos significativos no custo do negócios. O que vem a ser esse "Fator" e como se dá esse impacto?

RGL - Vamos analisar o caso das alienações fiduciárias (tipo de garantia na qual há a transferência da propriedade de um bem do devedor ao credor para garantir o pagamento da dívida). Quando o Poder Judiciário revisa contratos dessa modalidade, reconhecendo que nesses há cláusulas abusivas que devem ser extirpadas da relação negocial – como juros compensatórios, comissão de permanência etc -, esta decisão judicial torna instável a relação contratual inicialmente pactuada. Ao fazê-lo, quebra a expectativa dos contratantes originais. Mais do que isso: impacta a previsibilidade de ganhos ou de benefícios que foram causa do próprio negócio. Portanto, com suas decisões, o Judiciário sempre provoca quebra de expectativa de uns ou a satisfação da expectativa de outros. Na realização de sua atividade, o Judiciário tem que cuidar para que os danos e os ônus sejam os mínimos possíveis.

P - O sr. reconhece a existência de interesses que se sobrepõem à lógica de mercado, mas chama a atenção para o que denomina "voluntarismo judiciário". O que é o voluntarismo e como ele pode prejudicar as relações econômicas?

RGL - Quando o Poder Judiciário toma decisões sem levar em conta as múltiplas variáveis que compõem o caso, focando apenas um interesse unilateral envolvido, ainda que atue em nome da efetivação de um direito fundamental, pode violar drasticamente outro direito. Por exemplo, quando um magistrado determina que seja fornecido medicamento de R$ 50 mil para um único usuário, sem sequer investigar a possibilidade do uso de um genérico ou de outro tratamento alternativo com menor custo, pode inviabilizar vários outros pedidos e tratamentos que poderiam ser realizados com uma quantia semelhante. Assim, é importante que o magistrado leve em consideração que sua ação judicial tem consequências sociais. E que, quando está manejando direitos sociais pedidos por indivíduos, esses direitos têm a função de atender toda a comunidade, e não exclusivamente uma pessoa.

P - O sr. defende que o Judiciário é hoje um espaço de interlocução, uma arena de solução de conflitos. Como os juízes podem auxiliar nessa tarefa de compor conflitos na área econômica?

RGL - Eu vejo a lide (conflito de interesses sob apreciação do Judiciário) como um momento de pacificação. Para isso, o magistrado deve dispor de ferramentas de composição e de mediação.Tem que ter sensibilidade para isso: conciliar e compor. Mais do que isso: tem que ter presente qual é o objeto do conflito, haja vista as suas conseqüências para fora do processo. Com essa percepção, ele pode fazer proposições compositórias que, se não vão atender de forma absoluta a todos, pelo menos amainarão o impacto da decisão para o entorno desse conflito.

P - Em que medida as pressões de outros países e organismos internacionais por uma uniformização do entendimento jurídico sobre questões relevantes para a economia podem influenciar as decisões dos magistrados brasileiros?

RGL - Há determinadas questões que estão no plano na transnacionalidade. Estão num patamar de decisão e deliberação que foge da capacidade de controle da esfera nacional. Veja por exemplo a questão que envolve os contratos de importação e exportação. O mercado internacional é incontrolável. Não raro ele apresenta surpresas negativas envolvendo essa questão. Uma decisão que versa sobre o aço na China pode causar impactos no fornecedor do produto no Brasil. E todas as declinações que decorrem do aço, e que foram objetos de contratos no plano nacional, estariam afetadas por essa sistemática internacional. Sob o ponto de vista econômico, vivemos numa aldeia global que está em regime de inter-relação e interferência recíproca. Temos que aprender a lidar com esse tipo de tensão como magistrados porque esta é lógica cuja existência não depende da nossa vontade. Temos que aprender a conviver com a perspectiva da mudança, da surpresa, e termos a sensibilidade de adequar os institutos jurídicos e a interpretação judicial para a solução do caso a essas circunstâncias.

P - Ao contrário de que muitos afirmam, o sr. não considera a Justiça cara, mas sim o custo do processo. O que o encarece?

RGL - Temos problemas intra-sistêmicos e extra-sistêmicos. Os primeiros são os que ainda estão sendo discutidos no país neste momento, que são as reformas processuais. É preciso que o sistema processual brasileiro melhore muito, se racionalize mais e encontre fórmulas mais enxutas, céleres e menos recorríveis. Nos segundos, temos o aspecto que envolve a "cultura da guerra". A formação do bacharel em Direito no Brasil sempre foi vocacionada para o conflito, para a beligerância. As faculdades de Direito ensinam guerrear, não a pacificar. Essa formação do bacharel se reproduz, se projeta no mercado. Para o cliente comum, o sinônimo do advogado exitoso é aquele que vence a causa. Essa cultura, associada a um sistema processual irracional, provoca um custo altíssimo do processo no Brasil.

P - O sr. acredita na existência de uma "indústria de liminares" no país? Caso afirmativo, como ela prejudica os negócios na economia?

RGL - Indústria de liminares é um jargão equivocadamente utilizado por alguns setores da imprensa e do setor produtivo no Brasil e no exterior. É uma percepção equivocada de um exercício normal da jurisdição, que tem sido responsável quando aprecia e delibera sobre matérias atinentes a medidas de urgência, como as tutelas antecipadas e as decisões liminares propriamente ditas. A verdade é que há decisões judiciais que causam maiores ou menores impactos na vida econômica e nas relações sociais.

P - O que o sr. acha das opiniões de alguns economistas brasileiros e estrangeiros, que veem com reserva a regulação jurídica dos negócios?

RGL - O debate que os economistas têm feito é que essa atividade de regulação jurídica requer cuidados sob pena de causar mais danos do que benefícios quando tenta artificializar, pela letra fria da lei, determinados comportamentos de mercado que não são factíveis em termos de relações econômicas mundiais. É preciso que a própria legislação observe essa dinâmica mutacional do mercado para que não exija dele o que ele não pode dar faticamente, que são a previsibilidade, a segurança e a certeza absoluta que, em tese, as normas jurídicas tendem a querer dar.


Coordenadoria de Editoria e Imprensa 

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O PROCURADOR, OS FIDALGOS, OS MALCRIADOS DE FUZIL E OS LOUROS DE OLHOS AZUIS

via VEJA.com: Blog | Reinaldo Azevedo de Reinaldo Azevedo em 27/03/09
LEITOR, VAI AQUI UM TEXTO LONGO. EU O COLOCO NA CATEGORIA DOS "ARTIGOS DE FORMAÇÃO"
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Procurador, juiz, policial, autoridades públicas, enfim, numa democracia, existem para promover e/ou garantir que se promova a justiça. Se a esse substantivo se cola um adjetivo, qualquer que seja ele, está reduzido o seu alcance. O qualificativo que, hoje em dia, mais amiúde, se casa àquele nome é "social". "Justiça social" é, por natureza, uma expressão mais restrita do que "justiça". E cumpre que não se confundam os palcos. Quem faz "justiça social' no lugar onde se deve fazer "justiça" opera, na prática, uma fraude intelectual. O parágrafo seguinte é adaptação de uma consideração que fiz num texto bem antigo. É possível certamente filosofar em qualquer língua. Mas um pouquinho de alemão ajuda. Porque esse idioma facilita a identificação dos liames entre, por exemplo, o caso Eliana Tranchesi, a Operação Castelo de Areia e os "brancos de olhos azuis" que fabricaram a crise internacional. Como?

Tenho apontado, não é de hoje, o que chamo de Zeitgeist (espírito do tempo) militante e justiceiro que contamina o Brasil. Não chega a ser uma militância ativa — em alguns casos, é. Palavra mais adequada do que "Zeitgeist", ou a ser empregada em conjunto, para designar a esfera em que vivemos, lembra-me um colega jornalista versado em alemão, é "Weltanschauung", cujo significado em português pode ser "visão de mundo" ou, ainda, "ideologia". Embora os sentidos acima sejam bons para "Weltanschauung", procurem um dicionário de alemão, ela é mais ou menos intraduzível — sobretudo porque a possibilidade de fundir palavras parece emprestar ao idioma interstícios e tonalidades irreproduzíveis. Vejam lá: procurem o significado de "Welt" (a primeira acepção é "mundo", "universo") e depois de "Anschauung" (convicção, ponto de vista). Quando falamos de uma "Weltanschauung", estamos, na verdade, tratando de algo mais entranhado na vida e na cultura do que dá a entender a nossa "visão de mundo". Trata-se de um condicionamento do olhar e do pensamento — ou, eventualmente, da morte do pensamento.

Leitores, alguns até meus camaradinhas (ooops!) me perguntam por que defender Eliana Tranchesi. Eu não defendi nem defendo ninguém. E, com efeito, não haveria porquês particulares: não somos amigos; jamais nos falamos; não freqüentamos o mesmo ambiente social; jamais comprei uma roupa na sua loja. Tantas vezes, Deus do céu!, escrevi aqui que a melhor prova de que o cidadão comum está protegido pelas leis se manifesta quando quem as transgride é punido segundo as regras, não segundo as idiossincrasias e marés influentes de opinião!

O que penso da sentença e da decretação da prisão nessa fase do processo, isso já expressei em outros posts. Podem discordar à vontade — as contraposições civilizadas estão publicadas. Só não me venham com a cascata de que a análise é desinformada porque, se pouco me importa o que digam do que digo, é prudente não me tomar por trouxa. Os advogados que leram os textos sabem muito bem que estão amparados em sólida argumentação legal, ainda que discordem das minhas escolhas. O que me incomoda nessa história toda — e esse incômodo se estende à tal Operação Castelo de Areia (mais uma vez, uma PF cheia de picardia ao batizar operações) — é justamente a vocação justiceira e que busca casos particulares para servir de exemplo. Ora, se Eliana Tranchesi ou qualquer outra pessoa cometeram ilegalidades, têm de pagar pelo que fizeram. Segundo o andamento do devido processo legal. MAS NÃO ME PEÇAM, PORQUE É INÚTIL, PARA CONDESCENDER COM O ERRO PARA QUE SE POSSA, ENTÃO, PRATICAR ACERTOS. Porque isso não acontecerá.

Todos os indivíduos, numa democracia, têm direito ao devido processo legal. E ele deve ser único, orientado por leis e princípios. Se uma autoridade está empenhada em usar um caso para ilustrar uma militância, para dar um exemplo, para servir de instrução à sociedade, para ser didático, então o sujeito que serviu de instrumento dessa ação de esclarecimento, por mais bandido que seja, tornou-se, de fato, uma vítima. Mas isso é o menos relevante. Junto com esse "justiçamento de advertência", naufraga também o estado de direito.

A fala perigosa
ATENÇÃO: AINDA QUE A PRISÃO DA EMPRESÁRIA ELIANA TRANCHESI VENHA A SE MOSTRAR JUSTA, CORRETA, SEM QUALQUER TRANSGRESSÃO AO CONJUNTO DE LEIS QUE TEMOS, a fala do procurador federal Matheus Baraldi Magnani, na entrevista coletiva que concedeu ontem, ilustra à perfeição o momento em que a "Justiça social" ocupa as prerrogativas que são da "JUSTIÇA", SEM QUALIFICATIVOS.

Baraldi é bastante jovem. Tem 32 anos. Uma barbicha só esboçada, mas cuidadosamente cultivada, ajuda a conferir à sua juventude a marca de uma época e revela o espírito do tempo. Comentando ontem a prisão de Eliana, como se ela estivesse já condenada em última instância, ele disparou: "Isso demonstra que pelo menos uma parte do Judiciário já está disposta a admitir a existência de organização criminosa sem que haja um sujeito malcriado e com um fuzil na mão no topo de uma favela". Aí as coisas se agravam muito. Essa fala não torna apenas Eliana menos segura. O que ele pensa está na linguagem. É fato: essa fala, sem dúvida, melhora a posição de um "sujeito malcriado com um fuzil na mão, no topo de uma favela" e piora a dos que não portam o fuzil.

Crimes de classe e fidalgos
Ora, então Eliana não está sendo mais julgada e/ou punida pelos crimes de que é acusada, mas por pertencer a uma determinada extração da sociedade que ficaria sempre impune. Ao se lhe aplicar uma sentença que pretende ser exemplar — quase 100 anos de prisão —, o que se quer é enviar um recado. Ou, pior ainda, o que se quer é punir os crimes de uma classe social. A síntese de Baraldi é devastadora para o direito. A análise do que disse consegue ser ainda mais assustadora.

Observem que ele deixa entrever a suspeita de que está numa luta, numa cruzada. Ele nem mesmo se põe na posição de quem defende o acerto de uma decisão tomada pelo Judiciário. Porque ele não se sente à vontade nessa defesa. Observem que, segundo se entende, só "uma parte do Judiciário" demonstra virtude saneadora. A outra, certamente, deixou-se corromper por valores menores. Assim, ele não sai em defesa "do" Judiciário, mas do "seu" Judiciário, que é, sabemos todos, o "bom" Judiciário.

Sua fala pode ser pensada palavra a palavra. Eliana pertence a uma "organização criminosa", mas aquele que porta um fuzil no topo de um morro é apenas um "sujeito malcriado". Até as pedras sabem que isso corresponde a uma hierarquia de crimes. Ele não parou por aí: "Essa sentença claramente fala em organização criminosa, e a razão da prisão não foi outra senão essa. É possível perceber que os tribunais já estão preparados hoje para recusar a tese de que organização criminosa é coisa de desgraçado com fuzil na mão". ENTENDERAM? A sentença e a prisão ILUSTRAM UMA TESE. Baraldi não quer mesmo que duvidem de suas intenções: "A sociedade questionava o resultado possível dessa operação porque são pessoas de alto poder aquisitivo, influência política etc. Havia o temor de que o resultado fosse nenhum, ou ameno. O Judiciário passa por uma transformação e atinge, sim, os fidalgos".

Sentença
Em sua sentença, diga-se, a juíza Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Criminal de Guarulhos, sustenta: "Merece maior reprovação posto que a conduta do acusado, proveniente de cobiça em busca da acumulação de riqueza proveniente de meios ilícitos, visava angaria recursos bilionários através de lesão ao erário." Ora, basta saber ler para que se entenda que a "cobiça em busca de acumulação" enfreia um crime. Pois é... Crimes sem cobiça pessoal parecem, nessa leitura, menos graves.

Eu me lembro de um: o mensalão! Não era, digamos, cobiça pessoal. O "erário" era lesado, mas em nome da construção de um projeto de poder. Segundo o espírito do tempo e a visão de mundo que se vai consolidando — e como isso é velho!!! —, os crimes em nome do coletivo parecem são mais amenos. Se a ambição distingue para pior o ato criminoso, então a ambição pessoal é um agravante na exata e oposta medida em que o coletivo se torna um atenuante. Vai ver é por isso que o mensalão nunca mandou ninguém para a cadeia. Nesse particular, de que lado terá ficado ou ficará aquele "Judiciário que está mudando"?

Leiam, caminhando para os finalmentes, este trechinho que está num texto do Portal G1: "De acordo com o procurador, é impossível estimar o valor das fraudes cometidas pelos acusados. Mas ele afirma que as fraudes encontradas pela Receita Federal e as multas já impostas ao grupo pela União e pelo governo paulista alcançam mais de R$ 1 bilhão." A bem poucos, a quase ninguém, ocorrerá apontar a impropriedade que ajuda a dar volume ao dinheiro. Qualquer que seja o critério, as fraudes não podem ser somadas às multas para indicar o valor total das ações ilegais. É simples: o objetivo da multa, com acréscimos, é compensar o que foi deixou de ser pago ao erário. Se alguém deixa de recolher R$ 100 devidos, e o Estado o obriga a pagar R$ 200 como punição, a sonegação não é de R$ 300; continua a ser R$ 100. Mas parece que Eliana Tranchesi só se torna mesmo aquela "fidalga" de manual se a conta chegar, no mínimo, a R$ 1 bilhão.

Afinal, Eliana é uma "loura de olho azul", ainda que seja castanho. Os olhos a que se referia o Apedeuta também eram olhos de classe.

Encerro mesmo: assino este texto hoje, amanhã ou depois de amanhã, ainda que os fatos venham a provar que a sentença contra a empresária foi justíssima. Em qualquer dos casos, o espírito que a anima degrada o estado de direito. E uma das minhas tentativas é enxergar além do nevoeiro. A exemplo do que fiz, lá atrás, nos primórdios do governo Lula, quando notei o gosto da Polícia Federal de Márcio Thomaz Bastos pelos holofotes. Eles iluminavam bem mais do que a cara das pessoas arrancadas da cama. Zeitgeist! Weltanschauung!

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14 março 2009

O falso moralismo do PT

via www.estadao.com.br em 14/03/09

Sábado, 14 de Março de 2009  Versão Impressa

O falso moralismo do PT

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Não poderia ser mais elucidativa a sentença que o juiz titular da 17ª Vara Federal de Brasília, Moacir Ramos, acaba de dar a uma das mais rumorosas denúncias de corrupção feita no final do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Além de absolver os acusados, ele fez duras críticas aos denunciantes, que acusa de terem feito a denúncia apenas para obter dividendos políticos, sem oferecer provas e ajudar nas investigações.

O caso começou em julho de 1998, quando alguns parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT), como Aloizio Mercadante, Ricardo Berzoini e Vicente Paulo da Silva, e um líder sindical filiado ao partido, João Vaccari Neto, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, acusaram o Ministério das Comunicações, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de manipularem o leilão de privatização da Telebrás, para favorecer um grupo financeiro interessado em comprá-la.

A denúncia foi feita com base em interceptações telefônicas ilegais, que era uma das práticas a que o PT, na oposição, mais recorria para criar fatos políticos. As gravações reproduziam as conversas travadas pelo então ministro Luís Carlos Mendonça de Barros com André Lara Rezende, presidente do BNDES, José Pio Borges, diretor do órgão para a área de desestatização, e Renato Guerreiro, presidente da Anatel, com o objetivo de tentar aumentar o valor do ágio no leilão da Telebrás. Como temiam que só aparecesse um ou dois candidatos, o que levaria a uma venda pelo valor mínimo, eles se mobilizaram para estimular fundos de pensão, como a Previ e a Funcef, e seguradoras ligadas ao Banco do Brasil a formarem um consórcio para participar do leilão, com apoio do BNDES.

Embora o material divulgado contivesse apenas trechos descontextualizados das conversas, o PT acusou o governo de "grossa corrupção" e, contando com procuradores da República simpatizantes, fez do caso uma "bandeira ética" contra o presidente Fernando Henrique Cardoso, que na época acabara de lançar sua candidatura à reeleição. Apesar de defender a inocência dos seus ministros, Mendonça de Barros e Lara Rezende, FHC não teve outra saída a não ser demiti-los, o que o obrigou a iniciar a campanha eleitoral na defensiva. Terminada a eleição, o PT se desinteressou do caso e nem depois da ascensão de Lula ao Palácio do Planalto, em 2003, decidiu reabri-lo.

Mesmo assim, o processo, ajuizado na Justiça Federal, seguiu sua tramitação normal. Mas as investigações mostraram que Mendonça de Barros e Lara Rezende eram inocentes, tendo agido dentro do limite da discricionariedade de seus cargos. E, acionado por procuradores da República simpatizantes do PT, o Tribunal de Contas da União apresentou relatório deixando claro que os acusados não causaram qualquer prejuízo ao erário, não feriram o princípio da moralidade administrativa e asseguraram a lisura e o caráter competitivo do leilão.

Em outras palavras, a denúncia de corrupção feita pelo PT em 1998 era infundada. Quase 11 anos depois, e esgotadas todas as etapas processuais, o titular da 17ª Vara Federal de Brasília absolveu os réus. E, além de reconhecer que eles agiram em defesa do interesse público, procurando aumentar o ágio do leilão da Telebrás, o magistrado não só condenou o PT por agir por puro oportunismo político, recorrendo a escutas telefônicas ilegais, como ainda fez questão de censurar o comportamento do atual presidente do partido, Ricardo Berzoini, do atual senador Aloizio Mercadante, do deputado Vicente Paulo da Silva e do sindicalista João Vaccari Neto. "Se havia a preocupação com a apuração dos fatos, por que esses nobres políticos não interferiram junto ao governo atual para que fosse feita a investigação das sérias denúncias que apontaram na representação que fizeram ao Ministério Público?", disse o juiz Moacir Ramos.

A sentença é mais uma amostra da hipocrisia que caracterizou o comportamento do PT no tempo em que era oposição. Embora fizesse da moralidade sua principal bandeira, vê-se agora que vários de seus integrantes agiram sem o menor respeito à ética, recorrendo a qualquer método - inclusive espúrios - para chegar ao poder.

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De nada adianta atropelar processo ao analisar perda de mandato

via www.conjur.com.br em 01/03/09
Ameaça da rapidez

Não adianta atropelar processo no Direito Eleitoral

[Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo deste sábado (28/2)]

A culpa nunca foi da morosidade da Justiça, mas certamente da má formação acadêmica dos especialistas em Direito. Se o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reforma 39,05% das decisões de 1ª instância, os Tribunais Regionais do Trabalho cerca de 43%, o Tribunal de Justiça do Paraná já reformou 74% das decisões da Comarca de Londrina e o Supremo Tribunal Federal reforma 28% das decisões criminais – dados publicados em 2008 e 2009 –, impõe-se o oferecimento constante de recursos, até que uma decisão seja proferida de forma correta.

Sabe-se que a população lê pouco, o que não é diferente na família forense. Este mecanismo de controle criado pela sociedade, e que pouco lê, é que provoca atrasos nas decisões que permitem afastar maus políticos. A população como um todo descumpre a lei, gerando a necessidade da interferência da Justiça.

Culpar a Justiça ou a utilização de recursos jurídicos pelos advogados é livrar a sociedade dos erros que diuturnamente comete. A morosidade da Justiça só existe pelo grande número de processos que chegam a ela, todos decorrentes de cidadãos que descumprem a lei, ferindo direito alheio.

Assistir às sessões dos Tribunais Superiores, hoje disponíveis a qualquer cidadão pela internet, permite apenas o registro do número de processos em andamento e o volume dos mesmos que aguardam julgamento.

Contudo, um olhar mais atento sobre as matérias discutidas nos recursos permite a análise dos erros básicos cometidos nos processos, exigindo uma correção.

No Direito Eleitoral e partidário somos vítimas do atropelo nas decisões, impedindo sustentações orais, impondo votos monocráticos e principalmente afastando o item básico do processo, a leitura do mesmo.

Esta rapidez, adorada pela população e não refletida nas grandes causas que envolvem prefeitos de capitais e governadores, certamente cria insegurança, quando os juízes resolvem julgar rápido em prejuízo da defesa.

O povo é sábio e é ele quem elege o político, ou seja, cassar mandato popular impõe rigoroso critério jurídico-constitucional para evitar que se comentam injustiças.

Quando se é oposicionista, que venham novas eleições rapidamente, mas se é situação e abusou do poder econômico, que se respeite a lei cumprindo-a somente quando houver trânsito em julgado e bem moroso. Isso serve para assegurar o direito da ampla defesa aos réus.

Humberto Dantas É conselheiro seccional da OAB-SP e advogado especializado em legislação eleitoral e política.

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